sábado, 17 de setembro de 2011

Interrupção Voluntária da Gravidez

Este é, e sempre será, um tema que suscita muita polémica. As leis, as ideias e as religiões abordam esta temática de modo diferente. Em todas as religiões cristãs é totalmente condenado. O direito de escolher livremente e o aborto são uma discussão que percorre o mundo e os países. Em Portugal o Referendo Sobre o Aborto realizado em 1998 (Referendo é uma consulta à população de um país para se perceber qual é a sua vontade) estabeleceu a seguinte legislação.

A Lei – em que situações é legalmente permitido o aborto em Portugal?
a) por razões de saúde da mulher grávida: se a interrupção de gravidez for indicada para evitar grave e duradoura lesão para a saúde física e psíquica da mulher, devendo ser realizado nas primeiras 12 semanas de gravidez. No caso de ser a única forma de evitar risco par a vida da mulher, pode ser realizada em qualquer altura da gravidez.
b) Por doença do feto: se houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer de forma incurável, de grave doença ou malformação e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez.
c) Por violação: se a gravidez tiver resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual e for realizada nas primeiras 16 semanas de gravidez.

Em qualquer das circunstâncias a decisão de abortar ou continuar a gravidez cabe à mulher grávida depois de informada e esclarecida.

A interrupção da gravidez deve ser sempre realizada por um médico ou sob a sua direcção e numa instituição hospitalar pública ou privada competente, de forma a assegurar as melhores condições de segurança para a mulher.
Ou seja, o que a lei diz:

A IVG é permitida:
-quando a vida da mulher está em risco;
-até às 24 semanas de gravidez quando o feto corre riscos;
-até às 16 semanas em caso de violação.

Quando ocorre uma IVG, a mulher tem direito a ser informada e esclarecida.

A IVG deverá:
-ser realizada por um médico ou sob a sua direcção;
-ocorrer num hospital ou clínica;
-ter as condições de segurança adequadas.

Do ponto de vista médico a IVG não é uma intervenção complicada, desde que realizado em boas condições. Mas não pudemos esquecer os aspectos psicológicos, os sentimentos da mulher. Esses são mais complicados. Este pode ser um momento difícil para uma mulher e também para um homem. Porque o aborto não é somente coisa de mulheres, diz respeito também aos homens.

No entanto, apesar da lei, existe o aborto ilegal. A mulher (ou o casal) pode decidir abortar por razões pessoais que não estão abrangidas pela Lei. O aborto é muitas vezes realizado sem condições de segurança e higiene para a saúde da mulher.

Duas coisas em que deve pensar:
Sempre que se tem relações sexuais e não se quer engravidar, deve utilizar-se um método que previna a gravidez.
O aborto realizado repetidas vezes, mesmo em condições de segurança, pode originar lesões graves no corpo e na saúde da mulher.

Após uma relação sexual, se enfrentar uma situação de uma gravidez não desejada, procure o apoio de um técnico ou de pessoas de confiança, como os pais ou os amigos. Tome uma decisão informada e apoiada pelas pessoas em que confia.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Educação Sexual nas Escolas

Introdução: Isabel Maria Cunha (1)


Os jovens "são apaixonados, irascíveis, e capazes de ser levados pelos impulsos, sobretudo os impulsos sexuais... em relação aos quais não exercem nenhum autocontrolo. Além disso são volúveis e instáveis nos seus desejos, os quais são tão transitórios quanto veementes..."

Aristóteles

Neste número do Boletim resolvemos por em destaque o tema da Educação Sexual nas Escolas, por considerarmos ser um assunto que está na ordem do dia e na preocupação dos Professores, Pais e Escolas. Contudo, se dermos uma vista de olhos ao que já foi escrito e dito em entrevistas, artigos de jornais, revistas, noticiários... tem-se a impressão de que já foi tudo dito. Mas, qual ou quais as conclusões?



Se nós fossemos assexuados, produziríamos clones de nós próprios e seríamos potencialmente imortais como o são, ainda hoje, muitos seres unicelulares. Mas a evolução empurrou-nos para um destino em que a nossa sexualidade é a causa da nossa grande diversidade e da nossa mortalidade. Pagamos caro a capacidade de produzirmos seres diferentes de nós e entre si. Mas quanto ganhamos em afectividade!... A expressão da nossa sexualidade é, afinal, uma forma de comunicação. Se fossemos assexuados, o tão falado Amor de Mãe não existia, como não existiria o amor entre homem-mulher e entre Pais e filhos. A nossa sexualidade é indutora de sentimentos de afecto, de paixão, de amor, atingindo-se por vezes um grau de intimidade entre duas pessoas que se conhecem e compreendem de tal modo que já não precisam de falar. Um simples olhar e sabe-se o que o outro está a pensar e o que nos quer dizer... Uma intimidade onde o silêncio fala e não é solidão. E é quando os corpos e as almas se encontram numa relação sexual cheia de amor que ser sexuado é gratificante para o indivíduo. Mas, nos dias de hoje, os corpos andam tão depressa que nem esperam pela alma.

Lembro-me do caso, verídico, de um rapaz que, tendo pedido namoro a uma colega, foi confrontado no dia seguinte com a entrega de um calendário onde, segundo ela informou, podia verificar os dias em que podiam ter relações sexuais e aquelas em que as mesmas eram interditas. E... ele foi-se embora. Aquela moça não sabia que não há nada mais excitante do que o jogo da sedução.

É triste ver os nossos jovens, alguns ainda tão novinhos, em práticas sexuais para as quais não estão preparados nem física nem psicologicamente. Quantas relações antes de tempo deixam marcas negativas para toda a vida. Quantos problemas físicos e psicológicos resultantes de situações complicadas com as quais não se está preparado para lidar.

Ouvimos os alunos a pedir com uma certa emotividade: Educação Sexual na Escola, já! Mas que entendem eles por Educação Sexual? Quem a vai dar? Qual a preparação desses professores (ou não vão ser professores?)? Quem e como avaliar os resultados dessa educação?

Há anos que a Educação Sexual é obrigatória nas Escolas do Reino Unido, a partir dos 12 anos. Quais os resultados? A número 1 da Europa em adolescentes grávidas. O que significa isto? Que lá a educação não foi bem orientada? Então, como fazer? O Primeiro-Ministro Britânico, além de ter afirmado em recente entrevista que pretendia tomar a profissão docente como a mais prestigiada na Grã-Bretanha, dizia também uns meses antes que pretendia fomentar a virgindade entre os jovens do seu país. É por aí que se deve ir?

Tantas interrogações e tão poucas certezas...
De todas as mudanças que se processam na adolescência, o aumento do impulso sexual, acompanhado de sentimentos e ideias novas e muitas vezes estranhos, é dos mais característicos. E, tanto para os rapazes como para as raparigas, uma das tarefas mais difíceis de realizar, nessa altura, e a de lidarem com a sexualidade nascente e ajustarem-na ao seu sentido de identidade e aos seus valores, sem conflitos ou ansiedades excessivos. As mudanças físicas que vêem acontecer no seu corpo, as ideias novas que lhes chegam a mente, os sentimentos e impulsos que experimentam, confundem-nos. Os pais, os professores e os amigos podem ajudar ou dificultar o ajustamento a essas mudanças e podem também influenciar no sentido de se tornarem motivo de orgulho ou uma fonte de confusão e ansiedade. Os jovens querem e têm direito a receber informação correcta sobre questões práticas como relações sexuais, concepção, gravidez e controlo de natalidade mas, e talvez sobretudo, querem saber como integrar o sexo com os outros valores e como se devem relacionar de forma mutuamente compensadora e construtiva com indivíduos do seu próprio sexo e do sexo oposto. Muito provavelmente, eles gostariam que os ajudassem a construir uma ética sexual pela qual se norteassem, que tivesse por base os valores em que acreditam. Dar aos jovens uma informação franca e adequada sobre o que e o desenvolvimento normal de um adolescente e as possíveis variações que podem acontecer pode evitar muita angústia e aflição desnecessárias.

E como é que a nossa Sociedade responde a tudo isto?
A sociedade actual, numa altura em que ela busca um equilíbrio que sente precário, dá-lhe uma resposta incoerente, conflituosa e hipócrita, atirando-lhe aos olhos, filmes, telenovelas, imagens (que podem ser vistas em qualquer escaparate de rua), livros e até bandas desenhadas, que só usando de eufemismo se podem classificar de eróticas em vez de pornográficas, ao mesmo tempo que lhes exige que se saibam comportar. Face aos problemas que surgem de gravidez na adolescência propõe a despenalização do aborto; face ao aumento de SIDA, coloca máquinas de preservativos nas escolas; face à necessidade de uma educação para a sexualidade seria, objectiva, equilibrada, promotora de uma consciência reflexiva que conduza a uma ética sexual baseada em valores universalmente aceites de liberdade responsável, de responsabilidade consciente, de respeito pelo outro e pela vida e de justiça individual e social, propõe uma educação transversal, transdisciplinar, dada por quem a quiser dar, uma "educação para os valores, sejam eles quais forem".

Só podemos concluir uma coisa: não são os jovens que andam desorientados. São os adultos que não sabem que orientação lhes dar. E tudo isto se faz em nome de uma liberdade que, analisada criticamente, defende interesses económicos que ninguém tem a coragem de enfrentar. E os nossos jovens não deviam ser respeitados dando-lhes a oportunidade de crescerem equilibradamente sem serem espicaçados para uma sexualidade prematura que só aumenta as suas dificuldades? Depois... os professores que os eduquem...

Muitos adultos na nossa sociedade ocidental permanecem contrários a programas de Educação Sexual nas escolas. Uns porque acreditam que a Educação Sexual, mesmo quando só iniciada na puberdade, é prematura para jovens menos maduros e pode leva-los à promiscuidade. Outros porque acham que as informações sobre o sexo só devem ser dadas pelos Pais na intimidade do Lar. Contudo, temos hoje nas escolas, pelo menos teoricamente, todos os jovens com idades entre os 6 e os 15 anos. E todos sabemos que muitos dos Pais não discutem questões relativas à sexualidade ou porque não sabem, ou porque não têm tempo, ou porque não se sentem a vontade para o fazerem.

A educação da sexualidade faz parte da educação global do ser humano e, como tal, deve ser tratada com o mesmo cuidado que qualquer aspecto da educação da nossa juventude nos deve merecer. Mas, como deve ser feita? Na tentativa de procurarmos a resposta que a nossa sociedade propõe, levamos até vós a legislação e extractos de alguns artigos que recolhemos sobre esse tema. Tire depois as suas próprias conclusões.

Considerando útil a todos os professores o conhecimento da legislação que suporta a Educação Sexual nas escolas passamos a transcrever os extractos mais significativos da mesma.

- Lei n.° 120/99, de 11 de Agosto

Artigo 2.°

1- Nos estabelecimentos de Ensino Básico e Secundário será implementado um programa para a promoção da saúde e da sexualidade humana, no qual será proporcionada adequada informação sobre a sexualidade humana, o aparelho reprodutivo e a fisiologia da reprodução, sida e outras doenças sexualmente transmissíveis, os métodos contraceptivos e o planeamento da família, as relações interpessoais, a partilha de responsabilidades e a igualdade entre os géneros.

2- Os conteúdos referidos no número anterior serão incluídos de forma harmonizada nas diferentes disciplinas vocacionadas para a abordagem interdisciplinar desta matéria, no sentido de promover condições para uma melhor saúde, particularmente pelo desenvolvimento de uma atitude responsável quanto a sexualidade humana e uma futura maternidade e paternidade conscientes.

3- A educação para a saúde sexual e reprodutiva deverá adequar-se aos diferentes níveis etários, consideradas as suas especificidades biológicas, psicológicas e sociais, e envolvendo os agentes educativos.

4- Na aplicação do estipulado nos números anteriores deverá existir uma colaboração estreita com os serviços de saúde da respectiva área e os seus profissionais, bem como com associações de estudantes e com as associações de pais e encarregados de educação.

5- Nos planos de formação de docentes, nomeadamente os aprovados pelos centros de formação de associações de escolas dos Ensinos Básico e Secundário, deverão constar acções específicas sobre Educação Sexual e reprodutiva.


Artigo 3.°

(...)

2- Considerando a importância do uso do preservativo na prevenção de muitas doenças sexualmente transmissíveis, nomeadamente a SIDA, será disponibilizado o acesso a preservativos através de meios mecânicos, em todos os estabelecimentos do Ensino Superior e nos estabelecimentos de Ensino Secundário, por decisão dos órgãos directivos ouvidas as respectivas associações de pais e de alunos.


- Decreto-Lei n.º 259/2000, de 17 de Outubro

Artigo 1.°

1- A organização curricular dos Ensinos Básico e Secundário contempla obrigatoriamente a abordagem da promoção da saúde sexual e da sexualidade humana, quer numa perspectiva interdisciplinar, quer integrada em disciplinas curriculares cujos programas incluem a temática.

2- O projecto educativo de cada escola (...) deve integrar estratégias de promoção da saúde sexual (...) favorecendo a articulação escola-família, fomentar a participação da comunidade escolar e dinamizar parcerias com entidades externas a escola, nomeadamente com o centro de saúde da respectiva área (...)

3- O plano de trabalho de turma (...) deve ser harmonizado com os objectivos do projecto educativo de escola e compreender uma abordagem interdisciplinar da promoção da saúde sexual, por forma a garantir uma intervenção educativa integrada.

Artigo 3.°

1- A instalação de dispositivos mecânicos para acesso a preservativos em estabelecimentos de Ensino Secundário (...) deve decorrer de um amplo consenso na comunidade escolar, competindo aos respectivos órgãos de direcção executiva desencadear o processo de audição das associações representativas dos pais e encarregados de educação e dos alunos, fazendo incluir tal medida, se for caso disso, nos planos anuais de actividades das suas escolas.

Artigo 5.°

1- Para efeitos do disposto no n.°5 do artigo 2.° da Lei n.° 120/99, de 11 de Agosto, os serviços competentes do Ministério da Educação devem integrar nas suas prioridades a concessão de apoios à realização de acções de formação contínua de professores no domínio da promoção da saúde e da Educação Sexual.

Isto é o que a lei diz... Contudo, percorrendo a imprensa a que nos foi possível aceder, encontramos as mais variadas opiniões sobre a Educação Sexual nas escolas, o que indicia que o assunto é, no mínimo, polémico.

Em declarações ao Jornal de Notícias de 27.10.2000, Ana Benavente, Secretária de Estado da Educação, confirma que "(...) todas as escolas terão de ter esta dimensão, mas irão concretizá-la apenas da forma que forem capazes de o fazer. Não vai haver modelos únicos a implementar da mesma forma em todas as escolas". A mesma fonte revela que Ana Benavente "justifica a opção pelo tratamento interdisciplinar da Educação Sexual - sem a criação de uma disciplina específica - com a necessidade de uma estratégia flexível".

"Uma disciplina pressupõe um determinado conjunto de informações, a mudança de comportamentos e, no final, a avaliação. Ora, a Educação Sexual prende-se com a vida afectiva de todos e não é por se ensinar que se aprende", esclarece a Secretaria de Estado.

Para Ana Benavente, "a escola esta disponível para dar o seu contributo, mas isso não liberta a sociedade de intervir nessa área". (...) "Por outro lado, gostaríamos também que as associações de estudantes tivessem um papel activo, organizando as iniciativas que entenderem de forma a mobilizar os jovens nas escolas".

Mas, ainda segundo a Secretária de Estado, o ministério poderá não contar com as gerações mais antigas de docentes, "menos abertas à discussão da sexualidade", afirmando ainda que "haja professores com formação em Educação Sexual, mas que não conseguem avançar com projectos nas escolas devido a essas tendências".

Entrevistado por Sérgio Vitorino, Duarte Vilar, da Associação para o Planeamento e Família confiou ao Jornal de Noticias de 27.10.2000 as suas opiniões sobre este tema reconhecendo que a "Educação Sexual não é uma panaceia mas e um contributo para que os jovens possam tomar decisões conscientes quando precisarem de as tomar. (...) E não há receita mágica para todas as escolas a não ser o envolvimento de toda a comunidade educativa, incluindo os pais". Relativamente à legislação que suporta a Educação Sexual em contexto escolar, Duarte Vilar acrescenta ainda que estamos "perante uma boa lei, cujas reflexões técnicas resultam, aliás, de um longo processo de debate e projectos experimentais da APF". Pretendendo desfazer equívocos, Duarte Vilar esclarece que "não se pretende promover qualquer comportamento específico mas dar às crianças e aos jovens instrumentos para escolhas responsáveis", advertindo, contudo, para a necessidade de "avaliar daqui a uns tempos as dificuldades e eventuais vazios legais".

Nesta altura, muitos professores questionarão, e legitimamente, as suas capacidades para lidar com a Educação Sexual mas Duarte Vilar, relembrando que "nenhum professor é obrigado a fazer Educação Sexual", tranquiliza os docentes os quais "poderão contar com a ajuda dos técnicos", assegurando ainda que "a Educação Sexual não e nada de especial e prepara-se como qualquer outra actividade pedagógica, com objectivos e estratégias" e que o "a vontade para falar do tema aos jovens se ganha com a prática".

A mesma fonte ouviu André Pires e Diana Dionísio, dois dos milhares de alunos do Ensino Secundário que saíram à rua exigindo a Educação Sexual na escola. Sobre a natureza da Educação Sexual, Diana Dionísio exige que "ela diga a verdade sobre a diversidade das formas de viver a sexualidade e de relações afectivas e familiares, sem preconceitos ou tabus. É que às vezes parece que ainda nos querem fazer acreditar na cegonha". Quanto à aprendizagem normal dos jovens em matéria de sexualidade André Pires acrescenta que os "rapazes só falam entre rapazes e as raparigas entre raparigas, em contexto informal. As ideias erradas e as pressões para se assumirem determinados papeis persistem, e os tabus e as vergonhas também".

A formação em Educação Sexual devera ser extensiva a todos os professores, como reconhecem Diana e André. "Sem ela, a maioria dos docentes tenta fugir ao assunto", afirma Diana. No que concerne à intervenção dos pais, estes jovens não concordam que "uma minoria de pais possa vetar a existência de máquinas de preservativos nas escolas". Para Diana, "se os alunos quisessem a interferência dos pais na matéria, falariam com eles em casa sobre a sua sexualidade, mas muitos não encontram essa liberdade".

No mesmo artigo desta fonte, João Cruz, da Confederação das Associações de Pais, CONFAP, afirma a extrema utilidade da legislação que a confederação "só aceitou por esta determinar que é a escola - toda a comunidade educativa, incluindo alunos e pais - quem decide". João Cruz considera ainda que a Educação Sexual deve ser "voltada para a questão dos afectos e para o envolvimento dos centros de saúde, que têm muito a ensinar aos nossos jovens" sendo necessário "criar neles as condições para que façam um atendimento eficaz aos jovens e que a aplicação da Lei seja avaliada dentro de dois anos".

No Diário de Coimbra, de 10 de Novembro de 2000, o psiquiatra Daniel Sampaio sustenta que "a eficácia dos programas de Educação Sexual vai depender da forte ligação da escola à comunidade e do apoio dos pais". Para este psiquiatra, estas realidades são pouco consistentes em Portugal atendendo a que "a ligação entre escolas e comunidade é reduzida, a articulação com os centros de saúde é praticamente inexistente, a saúde escolar tem pouca expressão e os professores e técnicos de saúde pouco cooperam".

Daniel Sampaio acrescenta ainda que "a falta de formação dos professores, a dificuldade em apresentar projectos originais relacionados com o contexto local e a insuficiência e indefinição dos materiais de apoio poderão complicar esta missão. Daniel Sampaio critica também as "orientações técnicas sobre Educação Sexual em meio escolar", realçando "a sua falta de flexibilidade, utilização de expressões equívocas e opções discutíveis e inexistência de definição de objectivos". E conclui, advertindo que é "necessário agir com prudência", pois "um início errado pode lançar o descrédito sobre o tema, comprometendo as acções futuras".

Numa perspectiva diferente, no Diário de Coimbra, de 10.11.2000, Rui Rosas da Silva no seu artigo "Educação Sexual nas nossas escolas", considera que "o Ministério da Educação e o Governo que o sustenta, partem da premissa dogmática de que é inevitável que os jovens tenham relações sexuais". Dos riscos que tais relações acarretam, "cabe ao Ministério da Educação protegê-las a partir das escolas, tentando, no entanto, torná-las o mais prazenteiras possíveis: a sexualidade dos rapazes e das raparigas, por força da natureza, é bom não esquecer, pode ser reprodutora", conclui Rui Rosas da Silva. O mesmo autor continua referindo que "o Ministério não alerta os alunos para viverem de acordo com qualquer critério de continência e, muito menos, de castidade, como ultimamente tantas autoridades públicas o tem feito noutras terras bem mais avançadas do que a nossa. Facilita-lhes a prática sexual, minorando-lhe ao máximo os perigos da concepção. Para o efeito, explica-lhes nas aulas como se realiza a cópula sem perigo de engravidar, e põe à disposição dos estudantes preservativos nas escolas, a fim de que os actos que eles efectuem sejam, simultaneamente, inócuos, quer sob o ponto de vista da higiene venérea, quer da fertilidade natural. (...)". Rui Rosas da Silva questiona ainda a obrigatoriedade curricular da educação sexual, tal como a lei prevê, porque "retira a uma boa parte dos pais Portugueses o direito de dizer não a um Governo e a um Ministério que lhes impõem matérias atentatórias dos seus princípios ético-educativos fundamentais".

Em entrevista ao Diário de Coimbra, de 22.10.2000, D. João Alves, Bispo de Coimbra, defende "que a informação e educação acerca da sexualidade fazem-se melhor na família, quando ela esta verdadeiramente preparada para esta sua importante missão" pois aí "reinará um clima de confiança, de equilíbrio, da responsabilização de cada um, em doação espontânea e feliz" que toma "fácil a formação progressiva conforme os problemas vão aparecendo e a progressividade é regra de ouro a nunca desrespeitar". Não desprezando a informação que - como adverte - "deve ser dada na altura própria e pelo modo mais adequado", D. João Alves salienta que ao "falar-se de sexualidade, a educação há-de levar a que ela seja a energia positiva e enriquecedora e não força perturbadora e anuladora do verdadeiro desenvolvimento pessoal". Contudo, D. João Alves acrescenta que "num clima de pansexualismo com reflexos graves sobre os jovens " é "incontestável que muitas famílias não têm condições para fazer uma boa formação de seus filhos e particularmente no campo da sexualidade".

Compreendendo o contexto em que emerge agora a promoção da Educação Sexual dos adolescentes, até porque "os efeitos negativos estão aí à vista em tantos jovens", D. João Alves acolhe a nova regulamentação com alguma preocupação "atendendo as numerosas tendências e ideologias entre os professores, por vezes contraditórias; atendendo à impreparação e à imaturidade de alguns professores; atendendo à fraca ligação da escola à família, etc., etc." o que, segundo o bispo de Coimbra, "não facilitará a formação de uma estrutura definida de pensamento e de critérios seguros de vida". "Cresce por isso o valor das associações de pais em colaboração com as escolas de seus filhos (...)" que poderão "prestar uma ajuda inestimável", sustenta D. João Alves, que exorta a escola a desenvolver um grande esforço (...) para provocar essa ajuda e a acolher, e para os pais saírem de uma atitude apática e de desinteresse por este trabalho".

Estamos a iniciar um processo educativo inédito no nosso pais cuja importância parece inquestionável mas convém não esquecer, como lembra Rui Rosas da Silva, que "toda a Cândida inocuidade das iniciativas deste tipo, como se está a verificar em muitos países onde ela se instalou, nem se tem mostrado inofensiva nem favorável a saúde publica".

In Boletim n.º 15 da Associação de Professores de Biologia e Geologia, de Dezembro de 2000.

(1) Presidente da Direcção Nacional da APPBG e Directora do Boletim.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Consulta de Ginecologia

A primeira consulta de Ginecologia deve acontecer no início da adolescência, independentemente de a jovem em questão ter ou não iniciado a sua vida sexual. O(A) ginecologista é um(a) médico(a), um(a) profissional que é a fonte mais fidedigna de informação correcta no que toca à sexualidade e à saúde reprodutiva. É a ele(a) que se pode e deve fazer todas (mesmo todas) as perguntas, por mais embaraçosas, patetas ou até escabrosas que elas nos pareçam. E é na posse de informação correcta que, sem medos nem mitos, poderemos disfrutar de uma vida sexual plena (num contexto de muito amor).

As consultas de Ginecologia existem nos Centros de Saúde, Hospitais e, claro, em consultórios privados. Se não houver uma recomendação (a situação mais comum) por parte de uma familiar ("eu vou ao da minha mãe") ou amiga, é sempre possível pedir o conselho do Médico de Família. Ou, em alternativa, ir a uma consulta de Planeamento Familiar.

Não existe uma "idade certa" para a primeira consulta - depende da maturidade psicológica e física da jovem em questão. É desejável que a decisão de consultar o ginecologista seja tomada em conjunto com um adulto (mãe, irmã, avó...) que a acompanhará nessa consulta. É comum que a primeira consulta surja associada ao aparecimento da primeira menstruação.
No entanto, se estes cenários "ideais" não se concretizarem, é inadiável uma ida ao ginecologista após a primeira relação sexual.

O que acontece na consulta?
Na primeira consulta, em primeiro lugar, são feitas perguntas de rotina, para que o médico conheça a história clínica da paciente. Perguntas como: quando surgiu a primeira menstruação; se o ciclo menstrual é regular; se a menstruação é acompanhada de dores mais ou menos fortes; se já teve relações sexuais; se utiliza algum método contraceptivo; se já teve alguma gravidez, bem ou mal sucedida; se existe alguma doença crónica na sua família, entre outras.

No caso de já ter iniciado a actividade sexual, além da habitual colpocitologia (o célebre exame de Papanicolau), feita durante o exame ginecológico de rotina, pode ser feito um rastreio mais fino às doenças sexualmente transmissíveis. É também esta a ocasião mais indicada para uma conversa sem preconceitos sobre o método anticonceptivo mais eficaz a utilizar para esta jovem, em particular.

Nas consultas de rotina faz-se o exame ginecológico. Atenção! O exame não dói! Trata-se, afinal, de um exame ao corpo, neste caso, a uma parte específica. Um dos aspectos mais importantes deste exame é que a mulher tenha confiança no seu ginecologista e não lhe esconda nada do que sentiu ou está a sentir durante o exame. Se for a primeira vez e se sentir mesmo insegura, a jovem pode pedir ao médico que lhe explique o que vai fazer. Qualquer bom médico o fará sem problemas.

Para fazer o exame, a mulher fica deitada de costas na mesa ginecológica, com os pés apoiados num suporte e as pernas afastadas.
Durante o exame o médico usa sobretudo as mãos (enluvadas), podendo recorrer a alguns instrumentos, como o espéculo (para facilitar o acesso e visibilidade na zona vaginal) ou a espátula (para retirar amostras citológicas). É também feito o toque bi-manual, exame durante o qual o médico introduz dois dedos na vagina, ao mesmo tempo que colca a mão sobre o abdómen, a fim de sentir os órgãos genitais (como o útero) e sentir se há alguma alteração (de posição, por exemplo) significativa a assinalar.

O exame termina, as amostras vão para o laboratório e, mais tarde, o ginecologista analisará os resultados.

E, para finalizar, algumas ideias erradas que ainda existem na cabeça de muitas pessoas:
1. O exame ginecológico não dói.
2. O toque bi-manual não provoca perda de virgindade.
3. Os instrumentos utilizados, nomeadamente o espéculo, também não provocam a ruptura do hímen, sobretudo porque o seu tamanho varia com as características anatómicas da mulher.

domingo, 11 de setembro de 2011

Adolescentes e homossexualidade

A questão da homossexualidade não é nova mas foi principalmente na última década que se verificou um crescente interesse no seu estudo e análise. E não é por acaso que isso acontece, nas sociedades ocidentais - e falamos apenas delas - neste dado momento concreto. O emergir da discussão sobre os direitos individuais e o maior respeito pelas determinações e orientações de cada um, a introdução da questão "HIV", bem como os dados científicos baseados na evidência, permitem debater este assunto com maior lucidez, objectividade e sem tantos preconceitos como os que, nas sociedades ditas "ocidentais", impediram durante muito tempo uma leitura imparcial e rigorosa da questão.


Como definir "homossexualidade"?
Provavelmente, cada Leitor terá a sua própria definição do que é a homossexualidade, se é apenas dizer que uma pessoa do mesmo sexo é bonita ou interessante, ou assumir publicamente a sua preferência por um companheiro do mesmo género. E aqui convém dizer que falamos de ?género? e não de ?sexo?, que são coisas ligeiramente diferentes, dado que têm a ver com o papel e a representação psicológica e social, e não exclusivamente com a anatomia.

Em todo o caso, pode-se designar homossexualidade como a atracção sexual, emocional e afectiva de pessoas de um género por pessoas do mesmo género, como parte de um continuum da expressão sexual. Muitos adolescentes têm relações homossexuais como parte da sua aprendizagem, experimentação e conhecimento do corpo. Por outro lado, muitos dos homens e mulheres homossexuais tiveram as suas primeiras experiências durante a adolescência, tendo sido no final desta que as suas determinações e opções se consolidaram. De qualquer forma, este tipo de relações nesta idade não tem qualquer ?valor predictivo?.


Os porquês da discriminação
Se sempre existiu homossexualidade nas sociedades humanas, poder-se-á perguntar porquê a reacção de rejeição tão veemente (em algumas sociedades, designadamente as ocidentais, repito, dado que esta questão é pacífica em muitas regiões do mundo). Bom. Sem querer esgotar o assunto, valerá a pena referir duas ou três coisas: por razões que a antropologia facilmente explica, associadas ao desígnio de contribuir "a todo o custo" para a continuação da espécie, esta forma de orientação sexual foi quase sempre reprimida ou pelo menos olhada de esguelha - como, aliás, o era o facto de uma mulher não conseguir ter filhos, o que levava inclusivamente a ser expulsa da tribo ou do clã.
Por outro lado, não se pode ignorar a contribuição decisiva de praticamente todas as religiões e as condenações e culpabilizações inerentes a quem cometia esse "pecado". Finalmente, como os homossexuais representam uma minoria, a maioria que, durante milénios, quis equiparar a verdade universal às suas "verdades" próprias, exerceu essa ditadura que passava pela humilhação e exclusão (e até erradicação) de quem fosse diferente. E ser diferente num assunto "tabú" ainda é mais complicado e gera atitudes mais repulsivamente agressivas.


O mundo está (felizmente) a mudar
Com o evoluir das sociedades, quando hoje em dia não ter filhos já não lança ninguém no opróbrio, quando as liberdades, direitos e garantias individuais são promovidas e não apenas as da comunidade como um todo, a questão da homossexualidade, tal como muitas outras, tornou-se objecto de debate e de discussão. E se, por um lado, ainda se observam frequentemente atitudes segregacionistas e de exclusão (algumas vezes de auto-exclusão), é crescente a tolerância e mesmo a normalidade com que o assunto é felizmente encarado. Para isso tem contribuído a afirmação pública de pessoas e individualidades de várias áreas da ciência e da cultura relativamente ao facto de serem homossexuais. Há uns anos não se admitiria que, por exemplo, um ministro de um governo fosse assumidamente "gay", o admitisse publicamente e continuasse a ser ministro. Hoje já o é, em alguns países.

Não se trata portanto de dizer paternalisticamente que "o que cada um faz é da sua conta" e que "temos que ser tolerantes", mas francamente, de muito mais: o de entender que a sociedade é composta por indivíduos diferentes, na cor, no tamanho, nas capacidades, na orientações sexuais e nas opções e estilos de vida. E se os determinantes dessas diferenças são genéticos, ambientais ou um misto dos dois, dependerá muito do tema e do que a ciência consegue (ou não) adiantar sobre o facto. E consegue muito pouco?

De facto, ainda há não mais do que vinte anos, a homossexualidade era definida como uma "doença mental" por Academias de Psiquiatria tidas como cientificamente irreprováveis - afinal provaram que não eram tão irreprováveis como isso? e o que é confrangedor é ver que, ainda hoje, se assiste a classificações deste tipo.


A homossexualidade não é uma questão de escolha
Cada vez mais se entende que a homossexualidade, como uma das possíveis orientações sexuais, não é uma questão de escolha, ou seja, não se escolhe ser homo, hetero ou bissexual. É-se, apenas e tão só, embora permaneçam desconhecidos os determinantes dessa orientação. O que já pertence ao capítulo das opções pessoais é a forma de comportamento e os estilos de vida que as pessoas, homossexuais (ou não) adoptam, designadamente o tipo de experimentação sexual e o viver (ou não) uma vida com relações homossexuais assumidas. Por outro lado, é bom que fique claro que as experiências homossexuais, masculinas e femininas, durante a adolescência, não são, para a larga maioria dos jovens, um factor predictivo da sua orientação futura.
No que se refere à prevalência desta situação, embora alguns relatórios tenham indicado estimativas, em adultos, de cerca de 4% para os homens e 2% para as mulheres, desconhece-se a taxa na adolescência e estas prevalências variam enormemente de região para região e de comunidade para comunidade, muito dependente do grau de aceitação social e até político.


As mesmas necessidades e padrões de desenvolvimento
Os adolescentes homossexuais partilham os mesmos padrões de desenvolvimento dos seus congéneres heterossexuais, designadamente o estabelecimento de uma identidade sexual, a decisão sobre os comportamentos, a gestão dos afectos, as opções relativas a ter ou não relações, de que tipo e protegidas ou não, etc. Os riscos que correm, relativamente às doenças de transmissão sexual, como a infecção a HIV ou outras, exigem as mesmas estratégias de educação para a saúde. Assim, os cuidados antecipatórios que se debatem com qualquer adolescente não devem excluir nenhum, independentemente das suas opções e orientações que, como se afirmou, podem até não querer dizer coisa nenhuma em relação ao futuro. Por outro lado, e como já referimos, sendo uma minoria na sociedade os homossexuais estão sujeitos a uma pressão social e a um "empurramento para a clandestinidade" que pode trazer um menor acesso aos serviços, um maior desconhecimento da informação credível e de rigor e, também, um aumento dos problemas psicológicos e sociais, numa adolescência já pontuada por dúvidas, angústias e "duelos" entre modelos de vida, de comportamentos, de relações e de concepções de sociedade.


Problemas a vários níveis?
Os problemas psicossociais derivam fundamentalmente do fenómeno de exclusão, vergonha (é preciso ver que ainda vivemos em sociedades onde os conceitos religiosos, mesmo nos não praticantes e não crentes, tem um peso extraordinário em pequenas coisas do dia-a-dia, mesmo que já não nas grandes decisões e opções), estigmatização social, hostilidade, etc. Aliás, não é por acaso que o risco de suicídio é muito superior para os adolescentes homossexuais, mesmo descontando outros factores do contexto social que possam também ser geradores de situações depressivas.

Muitas vezes, o comportamento exibicionista, associado a uma vontade de afirmar que "também se faz parte da sociedade", afasta e segrega mais as pessoas - mas é paralelo e "tão sem graça" como o comportamento exibicionista de um par heterossexual.
É fundamental, assim, ter uma atitude de instilar segurança à medida que os adolescentes formam a sua identidade sexual, sem rotulações precoces e imediatistas. Há uma evolução no processo de orientação sexual e, tal como para os adolescentes heterossexuais, não podemos confundir relações sexuais com sexualidade. A questão dos afectos é fundamental, dado que a expressão desses mesmos afectos é socialmente mal vista e pode limitar os impulsos amorosos que, se fosse o caso de um par heterossexual, até poderia ser motivo para uma fotografia ou um cartaz socialmente e esteticamente (e politicamente) "correcto".


A família e a sociedade
Não é apenas a nível da sociedade que um adolescente homossexual encontra problemas, pelo contrário. A nível da família e do grupo de amigos as atitudes hostis e de incompreensão, ou de humilhação e até agressividade podem ser a regra. O desprezo a que podem ser votados leva, muitas vezes, a sofrerem assédios, ataques e outros tipos de situações, desde "partidinhas dos colegas" e brincadeiras de mau gosto até violência inter-pares. Por outro lado, a estigmatização e os preconceitos podem impedir uma socialização completa, com repercussões no desenvolvimento (a todos os níveis), na escolaridade e no sucesso educativo, e na integração laboral, conduzindo a maior secretismo e exclusão. Não são raros os empregos onde os homossexuais têm que esconder as suas opções afectivas mas, por outro lado, "aguentar" todas as anedotas e piadas relativas às pessoas que se sentem atraídas por outra do mesmo sexo. Todos estes factores levam a que os homossexuais, principalmente os masculinos, sejam mais facilmente "conduzidos" para estilos de vida e opções de maior risco, marginalização e, no fundo, menor realização pessoal, profissional e falhas no seu bem-estar.

Os pais, por outro lado, sentem-se quase sempre frustrados e muitos "nem querem ouvir falar do assunto", fechando as portas ao diálogo e recusando aos filhos adolescentes direitos fundamentais: o da partilha dos seus problemas e o de poderem assumir a sua orientação sem serem por isso penalizados ou até mesmo expulsos do lar. É por isso que é necessário desdramatizar o assunto e falar abertamente nele - afinal, há tão pouco tempo uma coisa tão diferente e tão menor como uma criança ter piolhos era ainda escondida e geradora de vergonha nas famílias?

Temos que evoluír para uma cidadania plena? É normal na adolescência haver uma certa "ambiguidade" quanto à orientação sexual, resultante não apenas da necessidade de experimentação e de condutas de ensaio, como das várias hipóteses afectivas que se colocam a qualquer jovem. A amizade, por exemplo, pode ser confundida pelo próprio com amor, sobretudo para quem nunca experimentou certas sensações e sentimentos. O que é importante é que os jovens não se sintam culpabilizados ou pressionados, e que tenham acesso às fontes de informação sobre sexualidade, relações sexuais, planeamento familiar, doenças de transmissão sexual, ou seja, exactamente a mesma informação que todos os outros jovens.

As sociedades estão sempre em evolução - veja-se a diversidade de culturas, hábitos e conceitos que existem no mundo (como já afirmei, convém não reduzir o mundo ao que se faz e vive nos países "ocidentais"). Cada sociedade define as suas regras, certas ou erradas, conforme o sentir e o pulsar do momento. Com a rapidez da evolução tecnológica e da comunicação, também os valores e regras se alteram com maior facilidade e em períodos de tempo mais curtos. A discussão dos problemas, aberta e directa, como acontece nas democracias, permite acabar com tabús e situações injustas e de segregação.
A homossexualidade é um dos assuntos que, certamente, sofrerá uma evolução nos tempos mais próximos, no sentido de desdramatizar e de aceitar que nem todas as pessoas têm que ter as mesmas opções, sejam elas determinadas por condicionantes genéticos, ambientais, educativos, sociais ou quaisquer outros. Viver numa sociedade que aceita a diferença é uma forma de promover a cidadania e os direitos individuais e colectivos.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Menstruação


O ciclo menstrual é definido como o tempo que decorre entre o primeiro dia do fluxo sanguíneo até o primeiro dia do fluxo seguinte.

Em média este fluxo dura 28 dias, mas pode ser mais curto, de 25 ou 26 dias ou mais longo, até aos 31 ou 32 dias.

O ciclo menstrual decorre em três fases e tem início com o aparecimento da menstruação. No desenvolvimentos das raparigas o aparecimento da menstruação – ou menarca - é a transformação fisiológica mais importante que ocorre na adolescência e que implica alterações no sistema reprodutor feminino. Este sistema é constituído pelos ovários (que produzem os óvulos), pelas vias genitais (que incluem as trompas, o útero e a vagina) e ainda pela vulva, que é um órgão externo.



Até surgir o fluxo sanguíneo que caracteriza a menstruação decorre todo um processo que vamos explicar a seguir.

A glândula da hipófise secreta as chamadas gonadotrofinas: a hormona foliculoestimulante (FSH) e a hormona luteinizante (LH). Fruto da libertação da FSH, nos ovários, um dos folículos vai crescer durante cerca de duas semanas - fase folicular - e quando chega à maturidade, emerge na superfície do ovário e liberta o óvulo (célula sexual, ou gâmeta feminino) que desce pelas trompas de Falópio (estruturas em forma de tubo, responsáveis pela condução das células sexuais) – é a chamada ovulação.

A libertação das referidas hormonas é também responsável pelo aumento ao afluxo de sangue no útero e do desenvolvimento do endométrio (uma camada espessa no útero e que em caso de gravidez constitui uma fonte de alimento para o embrião).

A ovulação dá-se, assim, cerca do 14.º dia, dando origem à fase ovulatória.

Nesta altura o óvulo pode ser fecundado por um espermatozóide. Caso o óvulo não seja fecundado (a fecundação daria origem a uma gravidez), continuará o seu trajecto descendente pelo canal vaginal. O óvulo sobrevive durante um período de 24 horas no corpo da mulher, enquanto que um espermatozóide pode sobreviver até 72 horas. Da fecundação do óvulo resulta o ovo que se instala na parede uterina – ocorre a nidação.

Após a libertação do óvulo do folículo este transforma-se no chamado corpo amarelo, uma massa sólida dessa cor que, depois de amadurecer e degenerar, será depois expelida aquando da menstruação, fluxo sanguíneo, na fase luteínica.

A menstruação caracteriza-se assim como uma descamação do endométrio caso não tenha ocorrido uma gravidez.

A chegada da menstruação indica pois que os órgãos sexuais já se encontram perfeitamente desenvolvidos e que a partir desta altura, existe já a possibilidade teórica de gerar um filho. As raparigas já nascem com todos os óvulos que terão durante toda a sua vida, que são, em cada ovário, cerca de 250 000. Em cada ciclo menstrual ocorre a maturação de um desses ovúlos. Os rapazes, por seu turno só começam a produzir espermatozóides durante a puberdade.

A menstruação, dura, em média, de 3 a 5 dias. Mas “o período” varia de mulher para mulher e pode também variar na mesma mulher entre ciclos – neste caso diz-se que tem ciclos irregulares. Durante a menstruação por vezes surgem sintomas de uma maior irratabilidade, excitação, ou depressão, e ainda distúrbios digestivos e dores abdominais. Se o mau estar menstrual é acentuado, pode ser o sinal de uma disfunção ovárica.

É normal a primeira menstruação surja durante a puberdade. Factores como o clima, a constituição da jovem, o estado de saúde, o género de vida e a nutrição podem antecipar o seu aparecimento.

É importante estar atenta a todos os sintomas e consultar regulamente um(a) ginecologista.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Gravidez na adolescência

De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística, relativos ao Inquérito à Fecundidade e Família, Portugal continua apresentar uma mais elevadas taxas de gravidez na adolescência da Europa (6,8%, em 1997).

Em pleno século XXI, ainda há muitos jovens sem informação no que diz respeito à sua própria sexualidade. Mas, mais do que falta de informação, é o medo de assumir a vida sexual activa e a falta de espaço para a discussão dos valores com os pais/adultos que, muitas vezes, acaba por levar à gravidez indesejada.

No entanto, há também que considerar as gravidezes falsamente indesejadas, geradas pela necessidade de afecto das raparigas ou para forçar o parceiro a assumir a relação. Esta ocorrência culmina com as gravidezes que se dão para serem o pretexto de a rapariga poder sair de casa, deixar o seu meio familiar, quase sempre desestruturado e desequilibrado, movido pelo sonho de encetar uma vida nova com a esperança num futuro feliz e harmonioso. Não é regra. Infelizmente esses sonhos quase nunca se tornam realidade...

De acordo com estudo "Mães Adolescentes - Alguns Aspectos da sua Inserção Social", realizado por Isabel Lereno, Carla Gomes e Paula Faria, em 1993, na Maternidade Júlio Dinis (Porto), ?as conclusões apontam no sentido de as jovens que engravidam e prosseguem com a gravidez até ao parto pertencerem a grupos sociais desfavorecidos e com uma subcultura própria em que os padrões de comportamento e organização familiar diferem da norma social estabelecida.?

A adolescência é (ou deveria ser) um período de descoberta do mundo, dos amigos, de uma vida social mais ampla... Assim, a gravidez pode interromper, na adolescente (falamos no feminino, porque normalmente é a rapariga que acaba por se privar das suas actividades para cuidar da gestação e da criança), esse processo de desenvolvimento que é próprio da idade.

Acrescem as responsabilidades e há que assumir o papel de adulta, já que se vê "obrigada" a dedicar-se aos cuidados maternos. O prejuízo é duplo: nem é uma adolescente plena, nem será inteiramente adulta!

Mas, ao contrário do que acontecia anteriormente, a informação está muito agora mais disponível aos jovens. As delegações da APF - Associação para o Planeamento da Família (por exemplo, através do projecto de Estudo, Prevenção, Apoio à Gravidez e Maternidade na Adolescência ?Mamãs de Palmo e Meio?), os Centros de Saúde, as diversas linhas de apoio e os programas de educação sexual nas escolas são alguns exemplos da ajuda que os jovens podem encontrar.

A disponibilização de preservativos nas escolas, uma medida que tem gerado alguma polémica, foi objecto de um estudo recente realizado nos E.U.A.. As conclusões da pesquisa vêm revelar que esta disponibilização não contribui para o aumento da actividade sexual entre os adolescentes. A medida tem um efeito positivo na protecção dos que já iniciaram a vida sexual, nomeadamente ao nível da prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.

Salienta-se ainda que, tendo sempre em atenção o facto de os adolescentes serem um grupo com uma vida sexual particularmente activa, e como medida de protecção para as doenças sexualmente transmitidas ou para uma gravidez indesejada, a legislação portuguesa estabelece que devem ser tomadas medidas para melhorar as condições de acesso e atendimento dos jovens nos hospitais e centros de saúde.

Face à disponibilidade e facilidade de acesso à informação e à abertura que se verifica na discussão de temas relacionados com a sexualidade, parece que o problema reside no assumir de um atitude que faça a prática ser eficiente. Ou seja, a partir do momento que os adolescentes têm acesso à informação, devem gerar uma atitude: a de a pôr em prática.

Muitos ainda têm a ideia que com eles não acontece nada de mal. Esse tipo de coisas acontece sempre aos outros. De facto, não é raro ouvir uma mãe adolescente afirmar que "nunca pensei que isso pudesse acontecer comigo, embora soubesse que podia engravidar".

E quando descobrem que estão grávidas, a maior parte das adolescentes passa por momentos de grande angústia e tensão. Têm medo de contar ao namorado (se é que a relação é estável), de contar aos pais, que os amigos descubram e as isolem. A opção, para muitas, é o aborto, feito às escondidas, muitas vezes sem dizerem nada a ninguém.

Outras optam (seja por medo ou por falta de recursos financeiros, ou até mesmo pelas suas convicções) por enfrentar tudo e todos e ir avante com a gravidez. Tanto umas como outras acabam por marcar irremediavelmente as suas vidas: forçam-se casamentos, interrompem-se planos de vida e as crianças, mesmo que sejam muito amadas, são um imprevisto que fica para sempre. Muitas vezes, o medo da jovem pode levá-la a esconder a gravidez até às últimas consequências. Nesse casos, a falta de uma acompanhamento médico desde o início, pode trazer complicações, tanto para a mãe como para a criança.

Para as que decidem ter o filho, a fantasia deixa de existir para dar lugar à realidade na hora do parto. É um momento muito delicado que pode gerar medo, angústia e rejeição.

E, quando não há apoio da parte da família, companheiro e amigos, o futuro da adolescente fica seriamente comprometido. Interrompem-se os estudos (muitas vezes até definitivamente) e hipoteca-se a oportunidade de arranjar o emprego dos seus sonhos...

Viver ao mesmo tempo a própria adolescência e ser pai também não é tarefa fácil. Da mesma forma, o jovem adolescente que se torna pai vê-se envolvido na dupla tarefa de lidar com as transformações da idade e as da paternidade, que requerem trabalho, estudo, educação do filho e cuidados com a companheira, esposa ou "apenas" mãe do seu filho.

A somar a isto, quando a relação não é estável ou foi apenas uma aventura, as relações entre duas famílias que "não têm nada em comum excepto a criança" podem ser muito tensas e até hostis... E quem sofre não é só a criança, são todos os envolvidos.

Quanto mais informação os adolescentes tiverem, quanto melhor a qualidade da mesma, mais condições eles terão de fazer as escolhas correctas para não prejudicar a sua vida.

Mas dar apenas informações técnicas aos jovens não basta. É muito importante que os jovens tenham espaço para fazerem perguntas, conversarem com amigos e parentes mais velhos e aconselharem-se com um especialista quanto à escolha do melhor método contraceptivo. É essencial que também sejam orientados em casa, na família, que falem e sejam ouvidos, sem preconceitos ou julgamentos.

sábado, 3 de setembro de 2011

Características da sexualidade na infância - considerações gerais

Consideramos hoje a infância como o período que ocorre entre o nascimento e a puberdade (10/12 anos). No entanto, nem sempre foi assim e, até ao século XVII, a infância não era sequer reconhecida como um período individualizado da vida humana (Badinter, 1980; Ariès, 1988; Strecht, 2001). Sob esse enfoque, a criança era vista apenas como um pequeno adulto, não recebendo educação específica e tendo que, precocemente, conviver com o trabalho e corn as preocupações próprias dos adultos. Esses factos, ligados à sociogénese da infância, aparecem com muita clareza através do estudo do vestuário infantil típico dessas épocas, bem como na análise das expectativas acerca das crianças das diversas classes sociais.

A partir desse século, com o empobrecimento da nobreza e com a ascensão da burguesia, ocorrem vários movimentos humanistas, passando a criança a ser exaltada pela sua pureza, dentro de todo um contexto social de revalorização. Nessa época, compreendia-se a prática do sexo como actividade pecaminosa e não merecedora de aceitação divina e social. As crianças, por não terem os genitais externos ainda desenvolvidos e por se considerar que não praticavam actividades ?sexuais?, estavam em estado de pureza, isentas, assim, de qualquer ?culpa?. Ainda sob esse ponto de vista, acreditava-se que essa ?inocência? era proveniente da ignorância sobre as questões relacionadas com a sexualidade (Ariès, 1988; Pais, 1987).

A partir desses conceitos, foi valorizado um tipo de ?educação? que ao mesmo tempo mantinha as crianças (e os adolescentes) sem informação e impunha-lhes um padrão que reprimia determinadas expressões da sexualidade. Visando mantê-las afastadas da curiosidade sobre os comportamentos sexuais. Os resquícios sociais de tais padrões educacionais continuam, ainda hoje, em evidncia na angústia que a maioria dos adultos sofre face às manifestações da sexualidade infantil (Ariès, 1988; Pais, 1987).
No entanto, ao longo do séc. XX assistiu-se a importantes mudanças no que se refere aos padrões socialmente aceites para as diferentes expressões da sexualidade. Embora, de uma maneira geral, exista, ainda, um duplo padrão relativamente aos dois sexos, a sexualidade tem vindo, gradualmente, a ser melhor compreendida, deixando de ser, quase sempre, exercida sem permissão social e usualmente condenada a clandestinidade (Lopez, 1999).

Grande parte desta mudança foi influenciada pelas ideias de Freud, ao afirmar a existência da sexualidade na infância, correlacionando-a com as fases de desenvolvimento da criança. As suas declarações foram muito contestadas pela sociedade da época, que relacionava ainda a ausência de sexualidade a pureza e a inocência. Nessa concepção, era virtuoso todo aquele que negasse a satisfação dos seus próprios desejos, especialmente quando a razão não os autorizava. Freud ousou declarar que todos praticávamos sexo e que ele estava inserido na natureza humana desde o nascimento, tratando a questão não como um ?pecado?, mas como causa de sentimentos de culpa e, portanto, de algumas perturbações emocionais (Freud, 1905).

Hoje, admitimos que a sexualidade se manifesta desde o início da vida e que se desenvolve, acompanhando o desenvolvimento geral do indivíduo e integrada no seu bem-estar biopsicossocial (Lopez & Fuertes, 1999). Sabemos que, independentemente do ciclo de vida em que estejamos, somos sexuados e temos manifestações e interesses sexuais. Sabemos, igualmente, que a sexualidade muda ao longo da vida e que cada idade tem as suas manifestações próprias, admitindo várias formas de expressão consoante os indivíduos (Félix. 1995).

Se a sexualidade infantil tem muitos aspectos semelhantes à dos adultos (procura de prazer e de comunicação; conhecimento do seu corpo e do corpo dos outros), tem, no entanto, características específicas, tais como:

1. Os órgãos genitais estão pouco desenvolvidos e os caracteres sexuais secundários iniciam o seu desenvolvimento apenas no final da infância.
2. A quantidade de hormonas sexuais em circulação no sangue é também muito pequena, o que vai interferir na pulsão sexual, que é diminuta.
3. Por razões hormonais, o prazer sexual é difuso.
4. Os estímulos externos não têm significado erótico. Na infância, a atracção por outras pessoas é mais uma atracção afectiva que sexual.
5. A orientação do desejo (homossexual, heterossexual ou bissexual) não está consolidada; esta acontecerá somente na adolescência.
6. É mais dificil às crianças fazer a distinção entre os desejos e sentimentos especificamente sexuais e os desejos e sentimentos afectivos.

Por último, não será demais realçar que as actividades sexuais das crianças se baseiam em motivações muito diferentes das dos adultos. O que, na maioria das vezes, as crianças desejam é imitar os adultos, conhecer o seu corpo e o dos outros. Assim se explicam muitos dos jogos de conteúdo sexual que se realizam na infância, quer seja o brincar ?aos médicos?, quer aos ?pais e mães?.
Na faixa etária entre os 2 e os 6 anos a actividade sexual é essencialmente lúdica, exploratória e informativa e assenta no auto-erotismo.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Adolescência terminável e interminável

Quando olhamos para trás, para os acontecimentos que nos marcaram ao longo da nossa vida, quais são os que nos vêm à mente? O primeiro beijo? O falecimento de um familiar querido? A nossa estreia, mais ou menos atribulada, na escola? O dia do nosso casamento? O nascimento do nosso primeiro filho? As possibilidades são múltiplas. Quantos destes acontecimentos marcantes tiveram lugar durante a adolescência? Provavelmente apenas uma minoria deles.

Mas se reformularmos a questão e perguntarmos quantos deles marcaram o início ou o fim de uma fase da nossa vida, provavelmente constataremos que muitos deles, efectivamente, tiveram um impacto decisivo no nosso modo de vermos o mundo, de interagirmos com os outros, enfim, no nosso posicionamento face a nós próprios e face aos outros. Quero com esta discussão chamar a atenção para o facto de que provavelmente a nossa vida é feita de fases, não necessariamente marcadas por aquilo que se convencionou que fossem as “fases normativas do desenvolvimento”, como seja a adolescência.

Um dos problemas é que uma vertente importante da Psicologia, a Psicologia do Desenvolvimento, fez de sua tarefa a delimitação da sucessão de períodos, marcadamente diferentes do ponto de vista qualitativo e quantitativo, que os seres humanos atravessam ao longo da vida, no que respeita a diferentes dimensões do seu funcionamento psicossocial.

São exemplos deste tipo de perspectiva a teoria do desenvolvimento psicossexual de Freud, a teoria do desenvolvimento moral de Kohlberg, a teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget bem como a do desenvolvimento da personalidade de Erikson, só para citar as mais conhecidas. De acordo com esta perspectiva, a transição de cada um dos períodos para o seguinte estaria condicionado pelo cumprimento de determinadas tarefas do período anterior, sem o que tal transição estará inviabilizada.

Do ponto de vista académico e enquanto auxiliar na leitura da realidade, as teorias desenvolvimentais são extremamente úteis, no sentido em que nos permitem a compreensão dos factores que, ao longo do desenvolvimento, são característicos da maioria das pessoas. Podem assim, auxiliar-nos a perceber o que é de esperar que em certos momentos da vida aconteça e também nos alertam para o facto de que existem capacidades e funções que apenas se podem desenvolver após estarem concluídas as anteriores que lhe servem de base. As teorias desenvolvimentais tornam-se obsoletas e transformam-se em factores obstructores do pensamento, quando tomadas como realidades por si, inalteráveis e condicionantes do nosso modo de olhar para a realidade.

Tomemos aqui, como exemplo estratégico, a adolescência. De acordo com as teorias desenvolvimentais da personalidade, bem como do ponto e vista do senso comum, a adolescência é o período cujo início é marcado pela puberdade e cujo final decorre da completa autonomização do indivíduo do ponto de vista funcional, emocional e económico. Esta delimitação seria simples, não fosse o facto de não ser eficaz. Começamos logo por pôr em causa a ideia da puberdade como um acontecimento que marca o início da adolescência. Se é verdade que todo o fogo de artifício hormonal da puberdade é uma verdadeira revolução no processo de desenvolvimento, com marcadas alterações do ponto de vista fisiológico, o certo é que muitas vezes, as mudanças ficam-se mesmo por aí.

Mesmo que, na maioria dos casos, estas mudanças sejam acompanhadas por diferentes formas de o indivíduo se relacionar com os outros, em particular com os pais e com a família, de olhar para o mundo, nomeadamente pelo acesso ao raciocínio abstracto e de um interesse crescente pela sexualidade, o certo é que nem em todos os casos isto acontece e encontramos muitos ditos “adolescentes” cujo funcionamento é francamente infantil, por vezes até aos 16-18 anos, para não dizer mais tarde.

Ou seja, se a adolescência é mais do que um processo de alterações fisiológicas, mas todo um conjunto de mudanças psicológicas, sociais, sexuais e emocionais, então não é possível fixar o seu início no aparecimento da menarca nas raparigas ou das primeiras ejaculações com espermatóides nos rapazes, uma vez que há outros factores a ter em consideração. Só a título de exemplo, sabe-se que, ainda que nas raparigas a puberdade surja em média dois anos antes dos rapazes, estes tendem a despertar para o prazer sexual em média dois a três anos antes das raparigas (Knoth et al., 1988, cit. por Baldwin & Baldwin, 1997), o que nos indica que algumas das alterações que tendemos a considerar típicas da puberdade são na verdade condicionadas por outros factores sociais e culturais que podem antecedê-la.

Se do ponto de vista do seu início é possível questionar a universalidade da adolescência como decorrente da puberdade, no que respeita ao seu final a situação é ainda mais complicada e torna-se quase impossível determinar com algum grau de precisão o momento em que esta “fase” termina. Como foi já referido, aponta-se a autonomização a vários níveis como o indicador de que já se entrou no mundo dos adultos.

Porém, o aumento do período de escolaridade que actualmente, se incluirmos mestrado e, para os mais arrojados, doutoramento, pode chegar aos 30 anos de idade, acrescido das dificuldades que muitos jovens adultos têm em encontrar um emprego minimamente estável e que lhes proporcione um rendimento suficiente para se puderem mudar para um espaço que seja seu, além do puro comodismo que é o de ter comida, cama e roupa lavada em casa dos pais, estamos perante um arrastar da adolescência vida fora, ao ponto de algumas pessoas com 40 e 50 anos poderem enquadrar-se no conceito mais lato de adolescência!

Existe até quem fale da geração canguru, ou seja, aquela que vai permanecendo na protecção e conforto da bolsa materna, diga-se de passagem muitas vezes com o incentivo implícito ou explícito dos próprios pais, até bastante tarde, em particular se comparado com o que acontecia em gerações anteriores.

Assim, acontecimentos que poderiam ser indicadores de uma maior autonomização das figuras parentais e que se poderiam constituir como momentos-chave de entrada na vida adulta (rituais de passagem, se se quiser), como é o caso da maioridade legal (e com ela a possibilidade de votar e de tirar a carta), do cumprimento do serviço militar, do início de uma vida profissional activa, ou até mesmo do ter filhos, acabam, nos dias de hoje por não pôr um ponto final à adolescência.

Outros factores também põem em causa algumas das ideias que vigoram tanto no discurso científico quanto no senso comum sobre a adolescência. Referimo-nos em particular à ideia de que este é um período marcado pela instabilidade, pelos conflitos e pelo sofrimento. Esta é uma herança que nos chega em grande parte de Stanley Hall (1844-1924), psicólogo norte-americano que dedicou uma parte importante do seu trabalho ao estudo da adolescência.

Ainda que, por esse mesmo motivo tenha tido fulcral importância no colocar o enfoque sobre a mesma, a sua perspectiva sobre o adolescente não era das mais positivas. De acordo com Hall, durante este período ocorre como que uma recapitulação das fases de desenvolvimento da humanidade, começando com a barbárie, entre os 7 e os 13 anos, em que o indivíduo não teria posse de funções mentais superiores tais como razão, a moral ou o amor. O progresso ao longo do desenvolvimento permitiria ao indivíduo o alcançar de estadios superiores do desenvolvimento humano. Assim, a adolescência seria caracterizada pela instabilidade - sturm und drang (tensão e agitação) - devido ao facto de recapitular um período histórico de transformações rápidas e caóticas ligadas ao processo civilizacional (Sprinthall & Collins, 1988).

Apesar de muito criticadas na sua época e agora já ultrapassado muitas das suas ideias, chega-nos como uma forte herança de Hall a ideia da adolescência como um momento particularmente problemático do desenvolvimento. Porém, o que os estudos nos demonstram, é que durante o período de vida que decorre aproximadamente entre os 10 e os 21 anos, apenas uma minoria (entre 10 e 20%) sofre de distúrbios psicológicos ou desenvolvimentais graves. O consumo de drogas duras, por exemplo, apesar de chegar à opinião pública com contornos de uma pandemia entre os jovens, ocorre apenas em menos de 2% dos adolescentes portugueses (Matos et al, 2003). Da mesma forma, problemáticas como sejam as relacionadas com o comportamento alimentar (anorexia e bulimia), com a depressão e o suicídio, são característicos de apenas uma minoria dos adolescentes.

O que, de resto, se verifica, é que o funcionamento típico durante a adolescência irá também ser típico durante o resto do percurso de vida do indivíduo, ou seja e a título de exemplo, a delinquência de um adolescente irá muito provavelmente ter continuidade na vida adulta através dos mesmos comportamentos de desrespeito pela integridade e propriedade de outros, da mesma forma que o adolescente que atravessa a transição para a adultícia sem sobressaltos irá muito provavelmente ter uma entrada e continuidade na vida adulta também pacífica.

Donde se depreende que o desenvolvimento psicossocial de cada pessoa é marcado mais pelo progresso e continuidade do que pelos sobressaltos e por paragens mais ou menos bruscas que possam ocorrer nesse processo. Sobressaltos, bem como acontecimentos positivos, podem ser marcantes e afectar o modo habitual de funcionamento do indivíduo, para bem ou para mal. Porém, como já referimos, estes acontecimentos não são apenas conotados ao período da vida a que se convencionou chamar de adolescência, mas a todo o nosso percurso desenvolvimental.

Quais é que são, então, as grandes conclusões que daqui podemos retirar? Uma delas será que a ideia de crise desenvolvimental, ou seja, a conceptualização de momentos da vida em que, tipicamente, todos os indivíduos passam por determinado tipo de problemas (e aqui falamos de adolescência, mas também da meia-idade, da entrada para a escola, entre outras) é altamente questionável. Ainda que Erikson, um dos pais deste conceito, o tenha descrito como um momento de crescimento potencialmente positivo, o certo é que com ele se presume sempre uma standardização no funcionamento psicossocial dos seres humanos, o que os padroniza e lhes retira assim a sua especificidade individual que os torna seres únicos e especiais.

Outra conclusão que daqui se pode retirar, refere-se em particular à adolescência e prende-se ao facto de tanta atenção se dedicar a este período da vida dos indivíduos, correndo-se o risco de efectivamente a problematizar - as realidades também se criam através da veiculação e manutenção deste tipo de ideias. Deste modo, quando no título desta apresentação se refere a terminabilidade da adolescência ou a ausência dela, referimo-nos a duas questões diferentes, mas complementares - a da terminabilidade de uma fase que, no sentido em que se encontra definida, cada vez mais se verifica estar a arrastar vida fora, mas também nos referimos à terminabilidade de um conceito com diversas limitações intrínsecas e que podem afectar a forma como os indivíduos a vivem e também a forma como outros, técnicos em particular, lidam com ela do ponto de vista conceptual e da intervenção.


Referências bibliográficas:

Matos, M. E equipa do Projecto Aventura Social & Saúde (2003). A saúde dos adolescentes portugueses (Quatro anos depois). Lisboa: Ed. FMH.

Sprinthall, N.A. & Collins, W.A. (1999). Psicologia do adolescente. Uma abordagem desenvolvimentalista. 2.ª Edição (Edição original de 1988). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Por que somos diferentes?

A diversidade de comportamentos eróticos nas diferentes culturas e no interior de cada sociedade deixa a ciência intrigada. O ambiente e os genes têm muito a dizer.

Tonga é um pequeno país insular situado a Leste da Austrália, no Pacífico Sul. O actual rei continua a desempenhar certas funções (trata-se de uma monarquia constitucional), mas há muito que já não tem a obrigação de desflorar as mulheres virgens da ilha. Um dos seus antepassados, Fatefehi, foi obrigado a cumprir o extenuante dever durante anos: estima-se que iniciou nas artes do amor 37.800 raparigas, entre 1770 e 1784, a um ritmo de seis ou sete por dia.

As mulheres nayares da Índia também podem manter um número considerável de relações sexuais, mas não como uma obrigação; fazem-no por diversão. Nesta casta de guerreiros hindus (ou seja, a nayar), as meninas devem passar por uma cerimónia que dura quatro dias antes da primeira menstruação. No fim do ritual, recebem o tali, um colar que simboliza que contraíram matrimónio. A partir desse momento, podem manter relações sexuais com quantos amantes (sambandha) quiserem, um de cada vez ou no número que considerem mais apetecível. Um deles poderá tornar-se seu marido, mas isso não é obrigatório. De facto, não costuma ser habitual.

Os jovens etoros da Papuásia/Nova Guiné, pelo contrário, tratam de restringir o número de parceiros eróticos e a quantidade de relações sexuais que mantêm ao longo da existência. Praticam a castidade ("a mais desnaturada das perversões sexuais", segundo o escritor inglês Aldous Huxley ) com as suas companheiras durante a maior parte do tempo. O motivo é simples: acreditam que a quantidade de sémen é limitada e que morrerão quando esgotarem as suas reservas. A quantidade do precioso fluido de que um homem etoro poderá dispor ao longo da vida é adquirida durante a adolescência. Como? Através da prática de sexo oral aos homens maduros da tribo. Por isso, um jovem não pode ter um aspecto demasiado saudável: considera-se que abusou do sexo oral e que ingeriu demasiado sémen. Nesse caso, é obrigado a manter relações sexuais com mulheres para recuperar o equilíbrio.

No mundo ocidental, semelhante teoria seria liminarmente descartada; ninguém acredita que se tenha de limitar o número de coitos para racionar o sémen. O que se verifica na nossa sociedade é a castidade voluntária: um número considerável de indivíduos não praticam sexo porque não desejam fazê-lo. A Sociedade Assexual Americana estima que esse grupo integra cerca de três por cento da população mundial, mas talvez a percentagem real seja ainda maior, agora que já não se esconde a opção assexual. No Japão, país que muitos especialistas consideram ser um exportador de tendências, cada vez se mantêm menos relações. Uma sondagem da Associação Japonesa de Planeamento Familiar efectuada junto de pessoas entre os 16 e os 49 anos mostrou que 31% não tiveram contactos sexuais no último mês, "sem qualquer razão especial".

A variedade de comportamentos que emerge destes exemplos dá uma ideia da diversidade sexual humana. Os antropólogos assinalam que a nossa conduta erótica poderá ser mais heterogénea do que a forma de vestir, os hábitos alimentares ou as normas éticas. A cantora e actriz norte-americana Bette Midler perguntava há tempos: "Se o sexo é um fenómeno tão natural, por que existem tantos livros sobre como fazê-lo?" A verdade é que os cientistas continuam a interrogar-se por que motivo reagimos de forma tão variada a algo que é, na sua essência, uma imposição biológica.

A motivação sexual é o mecanismo que favoreceu a selecção natural para aumentar a probabilidade de sobrevivência da espécie. Quando duas pessoas se sentem atraídas, não costumam parar para pensar que estão a ser guiadas pelos seus genes, mas o prazer que as move é um mecanismo mental, dirigido pela pulsão biológica, que é fruto da adaptação. Talvez essa inconsciência que a natureza estabelece seja a causa para se ter demorado tanto a começar a estudar as estratégias sexuais humanas.

Um dos primeiros especialistas a tentar quebrar o tabu foi Alfred Kinsey, professor catedrático de biologia e zoologia da Universidade do Indiana: surpreendido por haver tantas referências à sexualidade animal e tão poucas à nossa, decidiu efectuar um macro-inquérito. Foi alvo de acesas críticas por parte de sectores médicos e grupos religiosos, que chegaram a ameaçar incendiar-lhe a casa, mas não conseguiram intimidá-lo. O célebre Relatório Kinsey, publicado em 1948 (homens) e 1953 (mulheres), reunia dados sobre a vida erótica de 11.240 pessoas e os resultados deixaram a sociedade norte-americana atónita, pois mostravam um panorama inesperadamente heterogéneo que não correspondia ao que era considerado "normal". Por exemplo, 37% dos homens tinham tido uma experiência homossexual, 62% das mulheres tinham-se masturbado e quase metade tinham tido relações antes do casamento.

Todavia, o que mais chamava a atenção era a grande diversidade na actividade sexual quotidiana. Surgiam homens e mulheres que afirmavam nunca ter tido um orgasmo, e outros que usufruíam de quatro ou mais por dia. Os dados também mencionavam pessoas absolutamente monógamas que há décadas mantinham relações com a mesma pessoa (a única parceira sexual da sua vida) e outras que não conseguiam manter-se fiéis mais de um ano. Isto para não falar das singularidades e dos comportamentos excêntricos: daqueles cuja maior fonte de excitação eram os dentes, os sapatos de salto alto ou as reuniões de trabalho.

O que tornava o estudo revolucionário era a sua metodologia. Kinsey adoptou uma abordagem relativamente ao sexo inédita na altura: o chamado "ponto de vista etic". Os antropólogos designam assim os estudos que procuram investigar o funcionamento de uma cultura de forma objectiva, baseando-se em números e dados reais, e não no que os indivíduos supõem sobre o que os seus vizinhos fazem ou não. O biólogo sabia que, quando se trabalha com interpretações (com o que os membros de uma cultura pensam que acontece na sociedade em que vivem, o "ponto de vista emic"), é fácil cair num padrão de normalidade fictícia. Kinsey averiguou o que se passava verdadeiramente nos quartos sem deixar que ninguém lhe filtrasse a realidade, e descobriu uma grande variedade de comportamentos eróticos.

A partir do relatório que publicou, a homogeneidade foi cientificamente descartada e os estudos centraram-se em procurar explicar a diversidade. Marvin Harris, professor de antropologia nas universidades de Columbia (Nova Iorque) e da Florida, é um dos principais representantes dessa corrente. O "pai" do materialismo cultural coloca em questão "que existam em absoluto modos de sexualidade humana obrigatórios, para além dos impostos por prescrição cultural". Nada funciona de forma idêntica em todas as culturas. Segundo Harris, as condições materiais constituem o principal factor a condicionar os conceitos sobre sexualidade. A proporção de comportamentos homossexuais, o grau em que se permitem relações consanguíneas ou as leis implícitas e explícitas sobre o adultério podem ser explicadas com base na adaptação ao meio em que cada colectividade vive. E indica um exemplo: quando o investimento na prole se torna muito dispendioso, a sociedade torna-se mais puritana, pois é mau negócio andar a criar e educar filhos alheios. Em contrapartida, nas populações onde esse custo é menor, os costumes tornam-se mais permissivos relativamente ao adultério e à promiscuidade.

O antropólogo francês Pascal Dibie, professor da Universidade de Paris VII, oferece outro exemplo de como a socieade nos molda em função das necessidades materiais. Em Etnologia do Quarto de Cama, fala do ghotul, uma escola erótica frequentada de noite pelos adolescentes da etnia muria, na Índia. As regras deste local de iniciação sexual foram alteradas: antes, os que ali se dirigiam ficavam com o mesmo par dia após dia para aprender as artes do amor. Todavia, no ghotul moderno, as relações duradouras são proibidas: permanecer mais de três dias com o mesmo companheiro ou companheira acarreta sanções.

O motivo, segundo Dibie, é a necessidade de preservar a ordem social numa cultura cada vez mais permeada por valores e formas de vida alheias. Até agora, os jovens não questionavam os casamentos arranjados tradicionais dos murias. Agora, no entanto, reivindicam o amor e as uniões espontâneas ou por paixão. Como esse tipo de relações quebraria alianças antigas, criaria tensões desnecessárias e complicaria o pagamento de certas dívidas, os adultos procuram proibi-las. Para dissuadir os adolescentes e atenuar a sua curiosidade sexual, permitem que se deitem com todos os membros do ghotul. Argumentam que se reduz, deste modo, o risco de adultério e os ciúmes nos futuros casamentos. Mais uma vez, vemos uma explicação emic (a suposta vantagem para a harmonia do casal) a servir para disfarçar causas etic (a preservação das convenções sociais e económicas). A necessidade adaptativa promove uma promiscuidade que seria sancionada noutro contexto.

Os casos já referidos recordam-nos o valor evolutivo da heterogeneidade, algo que não suscita, sobretudo desde a revolução darwiniana, qualquer dúvida aos cientistas. A variabilidade é a matéria-prima da evolução, pois o que funciona num ambiente pode ser um desastre noutro. Assim, para que a selecção natural possa agir sobre uma característica, tem de haver diferentes versões do gene (ou genes) que o controlam. Ronald Fisher, um dos fundadores da genética de populações, demonstrou matematicamente que quanto mais alelos (variantes) existirem de um gene, maior será a probabilidade de um se conseguir impor aos restantes. Isso implica que uma maior variabilidade genética se traduz num maior ritmo de evolução de uma população.

A sexualidade constitui a base de propagação e sobrevivência dos genes. Quanto maiores as diferenças entre nós, maiores probabilidades teremos de subsistir em qualquer tipo de circunstâncias. Marilyn Monroe afirmou: "O sexo faz parte da Natureza, e eu dou-me maravilhosamente com a Natureza." A ciência actual recorda que darmo-nos bem com o biológico implica entender e respeitar a diversidade. Castos ou promíscuos; pessoas que associam o sexo ao amor e outras a quem os sentimentos diminuem a líbido; heterossexuais, homossexuais, bissexuais e "quadsexuais" (uma nova categoria lançada por Angelina Jolie que engloba os que gostam de homens, mulheres, homossexuais e transsexuais)... Todos contam.

Ainda persistem curiosos comportamentos sexuais noutras culturas, surpreendentes ou mesmo questionáveis, de acordo com a nossa perspectiva.

A iniciação sexual em muitas tribos africanas é muito precoce. Os chewas (ou chicheuas, da Zâmbia e do Malawi) acreditam que se deve manter uma intensa actividade erótica durante a infância para se ser fecundo na idade adulta. Todavia, o elevado risco de contágio da sida fez subir a idade de iniciação.

Na tribo dos nandi, no Quénia, as meninas de oito anos são consideradas maduras para terem relações e tornam-se propriedade de todos.

Os turus da Tanzânia aceitam que as esposas tenham amantes desde que mantenham as aparências. Os vizinhos colaboram e não as denunciam.

Os adolescentes das ilhas Trobriand, na Papuásia/Nova Guiné, dispõem de uma casa de solteiros onde mudam de parceira todas as noites.

Algumas mulheres do Iémen pintam a pele de negro com pigmentos naturais antes de se deitarem com um homem, pois pensam que essa cor aumenta a potência sexual masculina.

No ritual matrimonial dos arandas, na Austrália central, a noiva deve passar uma noite com os pais do noivo antes de ir para a cama com ele.

Em Samoa, ver um umbigo é muito excitante; na ilha de Celebes, o mais apetecível é mostrar o joelho, enquanto para os hotentotes, etnia do Sudoeste africano, picante é observar os genitais dos animais.

Entre os sakalaves de Madagáscar, o estranho é ser exclusivamente heterossexual, pelo que praticam uma espécie de pansexualidade.

Entre vários povos da Nova Guiné, os adolescentes preparam-se mantendo relações homossexuais, mas, depois do casamento, tornam-se heterossexuais.

Normal vs. perverso

Ao longo da História, as instituições religiosas e jurídicas tentaram controlar o comportamento erótico dos cidadãos, apesar das diferenças naturais que existiam em matéria de gostos e tendências sexuais. Para atingir os seus objectivos, classificavam como perversão tudo o que se afastava da alegada normalidade.

O tabu era criado com base em critérios religiosos (pecado) ou jurídicos (delito); começaram também a ser esgrimidos, desde o século XIX, motivos de saúde para anatemizar os instintos desregrados.

Por exemplo, o médico britânico William Acton tornou público, em 1857, um estudo em que afirmava que algumas mulheres tinham orgasmos durante o coito, concluindo que esse efeito era um distúrbio produzido pela sobre-estimulação. Um século depois, William Masters e Virginia Johnson trocaram-lhe as voltas e afirmaram que o anómalo era a anorgasmia.

Até 1973, a homossexualidade foi considerada uma doença mental e constituía um delito em muitos países. Ainda hoje é considerada crime em cerca de 70 estados. Em Portugal, só foi despenalizada em 1982.

L.O. super interessante 148