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sábado, 25 de janeiro de 2014
sexta-feira, 3 de agosto de 2012
A Sexualidade nos Adolescentes
O instinto sexual é algo que, desde os insectos ao ser humano, aparece de uma maneira extremamente forte, levando a certos comportamentos e gastando energias que só se justificam biologicamente porque tornam possível algo fundamental à vida: a propagação da espécie.
Mas, se nas espécies inferiores como os insectos, répteis ou peixes, esse instinto se inicia e acaba com o acto sexual em si, à medida que se caminha para as espécies superiores, começa a ver-se que muitas vezes o instinto também serve para criar laços ou relações mais ou menos fortes entre os parceiros sexuais. Normalmente, o objectivo é que ambos os progenitores ajudem na criação dos filhos, que é tanto mais complexa, demorada e exigente de cuidados quanto mais evoluída é a espécie.
Hoje em dia, sobretudo graças às técnicas de contracepção e também de concepção ou reprodução assistida, altamente eficazes aparecidas nos últimos 50 anos, sexo e reprodução já não andam necessariamente juntos. Convém ter presente as ideias acima expostas para podermos compreender melhor a nossa sexualidade.
Frequentemente ela é apenas sentida como uma necessidade básica de satisfazer um impulso fisiológico, ou seja, do nosso corpo.
Este impulso pode ser satisfeito, por exemplo, através da masturbação ou através de um(a) parceiro(a) casual ou pago(a) para o efeito. Mas na maioria das vezes esse “sexo pelo sexo” não é de modo algum completamente satisfatório em termos psicológicos e afectivos, ou seja, dos nossos sentimentos. Isso acontece porque, como somos seres humanos, para realizarmos ou vivermos completamente a nossa sexualidade, existe sempre a necessidade de criarmos laços ou relações afectivas e de cumplicidade com a pessoa que escolhemos como companheiro(a).
O relacionamento sexual tem assim, na nossa espécie, além da função reprodutiva, dois papéis importantíssimos: a satisfação de um instinto básico, tal como existe nos outros animais, e sobretudo, a criação de laços fortes entre duas pessoas que buscam o prazer mútuo e uma vida em comum.
Fonte: A Sexualidade nos Adolescentes | Planeamento Familiar
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
Sexualidade
A sexualidade, nos seus diversos parâmetros
A sexualidade humana é uma das competências mais interessantes e alargadas das funções vitais, pelo que não deve ser em nenhum caso resumida de uma maneira simplista a relações sexuais e muito menos ao uso do preservativo, como às vezes acontece.
De facto, a sexualidade compreende várias vertentes - afectos, comunicação, companhia, partilha (incluindo a do corpo e a da alma), reprodução, amizade e tantos outros aspectos. Não estranha pois que, ao incluir áreas tão fundamentais, a sexualidade seja, paralelamente à alimentação, um dos instintos mais básicos e determinantes da sobrevivência.
Não estranha também que o ser humano seja um ser dotado de uma sexualidade muito evidente, que se manifesta desde o primeiro momento de vida, e é exercida até ao fim. Poderá não ser expressa, evidentemente, do mesmo modo, da mesma maneira ou com os mesmos ritmos, mas é do cruzamento das diversas curvas sinusóides das vertentes mencionadas acima que se vai construindo os diversos equilíbrios, ao longo da vida, permitindo viver o conjunto da sexualidade de uma maneira harmoniosa, tranquila e gratificante. Muitas vezes, infelizmente, tal não acontece e, seja como for, a construção desse equilíbrio requer muita "maestria", já que a instabilidade, as dúvidas e os conflitos internos e externos, os riscos e os perigos são uma regra quase geral.
O namoro
O namoro é um dos pontos mais interessantes da vivência da sexualidade e pode (deve) ser vivido em todas as idades. Se é, quanto a mim, ridícula a insistência actual de muitos adultos em tentarem atribuir namorados e namoradas a meninos de 3 e de 4 anos (ou mesmo de 8 e 9), a palavra namorar é das mais expressivas e tem vários significados - de facto, (...) "namorar" pode significar: acotiar, agradar, apaixonar, apetecer, arrulhar, atrair, azeitar, cativar, catrapiscar, chamar, cobiçar, cortejar, derriçar, desejar, embelezar, enlevar, falar, flertar, galantear, graxear, namoricar, prosear, rampanar, rascar, rentear, requebrar, requestar, sapecar, seduzir, servir, simpatizar, tourear (in Enciclopédia ?Educar Adolescentes? ? Lexicultural).
Muitas noções poderíamos tirar destes sinónimos, alguns deles verdadeiramente inesperados, mas uma coisa é certa: namorar implica desejo, atracção, cobiça, e todo o processo de "conquista" ("catrapiscar"?!?) do ser amado, que passa por galantear, cativar ou até, segundo o dicionário, por "dar graxa" (azeitar... graxear...)? e também exercer a arte da sedução, uma das artes mais nobres e mais fascinantes (e também mais divertidas) de que o ser humano é capaz. Já a expressão "tourear", confessamos que deverá sempre ser considerada como estando por acaso, pois embora comum na "arte de namorar", não expressa geralmente relações muito transparentes e honestas? mas enfim. Dicionário é dicionário?
Conquistar e ser conquistado - o jogo da sedução
Voltando atrás, há uns milhões de anos (dados surgidos no início de Dezembro de 2002 apontam já para 6 milhões de anos...), quando as raparigas atingiam a menarca e tinham pois a sua primeira menstruação, ficavam capacitadas para ser mães. Os rapazes, por sua vez, ao terem as primeiras ejaculações, eram potenciais pais. Mas se durante alguns milénios, provavelmente, as relações reprodutivas terão sido (com o são ainda em alguns pontos do Planeta) diferenciadas dos afectos, rapidamente as coisas começaram a evoluir no sentido da monogamia (que, repetimos, não é "lei corrente" em muitos pontos e em muitas sociedades e pessoas, sem que possamos fazer sobre isso quaisquer juízos de valor, éticos ou outros). O sentimento de poder masculino, associado ao "ter" (ter "pilinha", leia-se), acasalou bem com o sentimento de "não ter", com o complexo de castração das mulheres, com afinal o culto do "ser" (e às vezes do "parecer"). Eles a quererem conquistar, elas a quererem deixar-se conquistar. Estavam na mesa todos os ingredientes necessários ao jogo ? a um grande jogo.
Por outro lado, estando também na mesa responsabilidades grandes - como o de escolher o pai ou a mãe dos filhos, o companheiro ou a companheira de uma vida e, tantas vezes, o herdeiro ou herdeira de fortunas, bens, terras ou outras coisas semelhantes, bem como a integração na família, no clã, na tribo ou na comunidade - a escolha prévia ao "acasalamento" passou também a ser mais elaborada e a envolver muita outra coisa. Acresce que a chamada "lei do mais forte", que através de várias formas afastava os potenciais concorrentes até deixar o que, geralmente pela sua força física, se conseguia impor, perdeu muita da sua validade - a astúcia, o poder de sedução, o charme (e tantas outras coisas) começaram a ganhar valor. Bem como os verdadeiros afectos e sentimentos.
É assim que surge o namoro - uma fase que começa, muitas vezes, sem se saber muito bem porquê e que evolui com diversos ritmos e desenlaces. De facto, não se sabe muito bem o que, numa pessoa, atrai outra - provavelmente muitos factores, também eles valorizados conforme a personalidade, as expectativas e os desejos e prioridades de cada um. As feromonas, espécie de hormonas sentidas a larga distância pelo nariz, têm o condão de atrair - a ciência explica isso. A beleza (e há tantos conceitos diferentes de beleza, de graça, de ser-se "giro" mesmo se feio, etc, etc), a inteligência, a ternura, a simpatia, o humor, o feitio, a elegância (no corpo e na maneira de ser), enfim, são alguns entre tantos e tantos ingredientes que provocam a atracção e o desejo de conquistar o outro ou a outra.
Depois deste primeiro click, segue-se outra fase: a da confirmação da escolha, que terá que passar por um melhor conhecimento dos pontos fracos e fortes da pessoa amada. Mas o pior é que a paixão e o desejo de conquista, pela sua natureza "transitoriamente patológica", faz muitas vezes (provavelmente sempre) perder a noção crítica e a lucidez - uma pessoa apaixonada não tem os pés na Terra, para ela só o outro existe, e o mundo e as pessoas são algo que perdeu totalmente a prioridade e o valor.
A procura das "certezas"
Outro aspecto importante no início do namoro é tentar ter a certeza, não apenas de que aquela pessoa é a pessoa amada, como a de que as outras que ficaram de fora (mas perto) não são também pessoas amadas, pois para quem começa a desenvolver sentimentos afectivos que nunca experimentou (e se calhar ao longo de toda a vida isto acontece?), é por vezes difícil ter essa certeza. Um dia parece ser aquela pessoa, mas no dia seguinte parece ser a outra. Só que os compromissos que se assumem com uma, excluem à partida (pelo menos nas sociedades ocidentais) compromissos de timbre igual com as outras.
Uma vez tida essa certeza - seja ela mais duradoura ou menos duradoura, mais firme ou menos firme -, "as coisas começam a aquecer", pois o passo seguinte é ser correspondido. "Apenas isso"? mas o "isso" é tanto e às vezes tão penoso!. A gestão desta fase é tremendamente difícil e, em caso de um desenlace negativo, pode dar azo a grandes traumatismos, sentimentos destrutivos da auto-estima e do auto-conceito, e regressões a vários níveis, designadamente uma grande desconfiança e insegurança quanto à capacidade de "conseguir" - o "desempenho" é um dos fantasmas que sempre acompanha os adolescentes, nas suas relações amorosas.
Diga-se também, que tudo isto se passa, pelo menos ao princípio, em linguagem codificada - corporal, falada ou outra -, mas codificada. Há quem avance logo com os termos e os propósitos, sem estar com "rodriguinhos", mas é raro e ainda mal visto. O jogo da sedução é um jogo de interpretações e de sugestões. E tantas vezes, sobretudo para quem é inexperiente (como é o caso dos adolescentes) ou quem não tem grande jeito ou aptidões para estas coisas, as sugestões podem ser mal interpretadas e as interpretações mal sugeridas. Se ela sorri para mim, que fazer? Será que sorriu porque se lembrou de uma coisa engraçada? Será que sorriu porque estava bem disposta? Será que sorriu porque teve um espasmo do músculo risorius? Ou porque até achou piada ao que eu disse, mas não mais do que isso? Ou, pelo contrário, isso e muito mais? Como saber? E se avanço, como quem fez a interpretação mais correcta (leia-se, a que me convém), que fazer se ela diz para eu ir "dar uma curva", que estou a meter-me e que vai chamar alguém e acusar-me de assédio? Ou que, simplesmente, estava a sorrir para o parceiro do lado, eu é que deveria estar estrábico? mas pode ser, mesmo que numa ténue hipótese, que me diga que, sim, que era para mim o olhar dela, porque também se sente atraída.
É neste jogo de parada alta, de grandes inquietações e indefinições, de registos muito subtis e indefinidos que os adolescentes têm que (sobre)viver. Mas é esse mesmo jogo, com todas as vitórias e derrotas, penaltis e cartões amarelos, aplausos e vaias, que vai permitir um enfoque mais certeiro e uma visão cada vez mais lúcida do que se quer, do que se pretende e, sobretudo, do que é possível face ao que se desejaria se fossemos nós a formatar o mundo e as pessoas. Mas se calhar, estaremos enganados - a realidade do século XXI não deixa aos adolescentes a hipótese de perguntar, tímida e inocentemente, ruborizando-se só de pensar nisso "então, qual é a tua música preferida?", mas sim, porventura, de modo directo e incisivo: "então, qual é o teu preservativo preferido?". Mas isso não é namoro, pelo menos no sentido de que estamos a falar. Pode ser uma atitude muito "pragmática" mas mais nada do que isso.
A fase da "manutenção"
Depois de começado o namoro, há uma fase de aprofundamento relacional e dos conhecimentos. A descoberta do corpo da pessoa amada e das potencialidades do nosso próprio corpo com a pessoa amada, o cotejar de pontos positivos e negativos, interesses e desinteresses, defeitos e virtudes, contribui para a constante avaliação dos ganhos e perdas e para a resposta à "velha questão": "valerá a pena?". Esta avaliação é tanto mais complicada quanto é frequentemente pontuada, quer com os desafios externos, de outras pessoas que também se perfilam no horizonte e que também querem entrar no jogo da conquista - pessoas já conhecidas ou novas -, quer com os comentários dos "outros" (família, amigos, colegas).
E se, em alguns casos, mesmo com "acidentes de percurso", arrufos, amuos e zangas (mas com o momento inesquecível e indescritível do "fazer as pazes"), as coisas evoluem na tranquilidade e no sentido da estabilidade - pelo menos durante algum tempo -, noutros o namoro acaba por ser uma fase de constantes altos e baixos, uma sinusóide que leva a um grande sofrimento, conflitos e desânimos, os quais desvirtuam o verdadeira intenção do namoro: o preparar uma solução estável com vista a um futuro comum.
Pais, família, amigos e companhia
Se o namoro é uma coisa para ser fruída a dois, com todo o encantamento que tem essa relação privada e quase mística, não é menos verdade que vivemos em sociedade e que as pessoas não são eremitas, mesmo quando parecem viver no nirvana ou no limbo. E quando outros valores, para além dos afectos e do amor, entram em jogo - "mas de que família é que ela é, afinal?", "vamos a ver a quem vão parar os nossos bens?", "não me parece que seja a melhor pessoa para ser mãe dos nossos netos!", "ele tem cara de quem trabalha pouco e vai querer explorar a nossa filha!" - e tantas outras coisas semelhantes -, o "caldo" corre mais risco de "se entornar", surgindo provas de forças, desaguisados, incompreensões, mal-estares, chegando muitas vezes ao ponto de pré-ruptura ou mesmo rupturas, o que só agrava ainda mais as coisas.
Quantas vezes os pais (e os restantes adultos) confundem as escolhas do adolescente com as suas próprias escolhas - não lhes é pedido que gostem da pessoa escolhida pelos filhos, mas tão só que respeitem a sua escolha. E se existe algo que verdadeiramente incomoda os pais relativamente à namorada ou namorado dos filhos, claro que têm o direito de expressar essas dúvidas (sobretudo se se referirem a algum dado grave) mas com calma e sempre pensando que, em caso de "esticarem a corda", o filho optará quase invariavelmente para o lado do seu amor. O caso contrário pode acontecer: os pais simpatizarem tanto com a pessoa escolhida pelos filhos que mesmo quando as coisas começam a esfriar e a seguir o rumo natural dos acontecimentos (ou seja, encaminhando-se para um fim que convém não ser demasiadamente agónico e prolongado) eles insistem no namoro e defendem-no com "unhas e dentes", mais do que o próprio interessado.
Outro aspecto ainda, sobretudo no princípio do namoro, é a enorme susceptibilidade e sensibilidade dos apaixonados - qualquer comentário menos positivo (mesmo que justo e factualmente verdadeiro) pode causar um pé-de-vento de incompreensão. Não quer dizer que os pais se calem, mas que tenham o bom senso de só dizer o que for estritamente necessário, não se esquecendo que os apaixonados, por definição, vivem na estratosfera e não entendem a linguagem dos terráqueos.
Ainda um conselho: não vale a pena dar demasiada importância aos namoros dos filhos, sobretudo no início e quando são os primeiros. É terrível ver pais a darem um relevo a namoricos que são quase "condutas experimentais", como se se tratasse já de uma coisa definitiva, envolvendo os avós, os tios e sei lá mais quem. Até uma certa idade, esses "namorados" deverão ser considerados como amigos e ficar por aí. Isso evita que haja "hipertrofia" de coisas menores e que, se o namoro acabar, o acontecimento passe a ser um autêntico "problema nacional". Deixa também aos adolescentes a margem de manobra necessária para gerirem da melhor forma o namoro, nos vários aspectos relacionais, incluindo poder pôr-lhe um fim, sem demasiada dor.
Este é uma vertente que os pais têm também que considerar: os receios, riscos, perigos e realidade das doenças de transmissão sexual, da infecção pelo VIH, da gravidez, não devem centralizar as suas preocupações e factores de interesse exclusivamente nessa área. A sexualidade é um fenómeno plurifacetado e que têm a ver com afectos e sentimentos. As relações sexuais são fundamentais nesse processo e é natural que, a páginas tantas (às vezes no "prefácio", às vezes só no "epílogo"), o processo de descoberta do corpo e da alma acabe por terminar nas relações sexuais. É bom os adolescentes estarem prevenidos e serem conhecedores dos métodos anticonceptivos e preventivos das situações de perigo - mas espera-se que os pais tenham tido, ao longo de toda a vida, uma acção pedagógica gradual que evite ter que chamar os filhos, à última da hora e sobre os acontecimentos, para uma conversa "sobre abelhas e flores".
O fim do namoro... ou não...
Os namoros podem ou não ter fim. Por vezes acabam por desistência de um ou dos dois interessados. Com maior ou menor sofrimento, de uma ou de ambas as partes, mas sempre com a necessidade de fazer um luto, porque o fim de uma relação, mesmo que por mútuo acordo e/ou com sensação de alívio, é sempre uma perda e exige um período de reflexão e de balanço. Não fazer esse luto é perigoso, porque ele virá, inexoravelmente, mais tarde, podendo cair como uma assombração sobre uma relação posterior.
Outras vezes o namoro evolui para um relacionamento estável e permanente, com vivência em comum, casamento ou seja a forma que for, filhos, etc. Mas mesmo nesses casos - ou até sobretudo nesses casos -, é bom que o namoro continue. Sempre. Namorar é bom e é um factor protector. Mesmo com filhos pequenos, mesmo com filhos menos pequenos. A relação "horizontal" entre duas pessoas deve sempre manter-se e é independente dos outros relacionamentos e afectos que possam existir. E não há idades fixas nem limitativas para namorar? porque o namoro, no que tem de sonhador, de reconfortante, de bom, é necessário e um bálsamo para qualquer idade.
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
Sexo tântrico
Há já algum tempo que se ouve falar em sexo tântrico e nas supostas maravilhas sensoriais que provoca em quem o pratica. Mas, apesar de muito se debater o assunto, poucos são os que realmente sabem do que se trata. Se quiseres aprofundar os teus conhecimentos, não pares de ler!
Tantra é o nome dado aos antigos textos de tradição oral do período pré-clássico da Índia, isto é, de há mais de 5000 anos. Mais tarde, alguns desses textos foram escritos e tornaram-se livros ou escrituras secretas do hinduísmo.
Na época de origem do Tantra, a Índia era habitada pelos darvixes, cuja sociedade e cultura eram matriarcais, epicuristas e não repressoras. Por isso, passaram à história como um povo tântrico, já que essa filosofia é caracterizada principalmente por essas três qualidades.
O Tantra, o Sámkhya e o Ioga são três das mais antigas filosofias indianas e as suas origens remontam à Índia do período darvíxico. Talvez por isso tenham mais afinidades entre si do que cada uma delas com qualquer outra filosofia surgida posteriormente.
A proposta do Tantra é promover o autoconhecimento e evolução interior partindo do prazer. Ou seja, é uma exploração tão intensa do prazer físico que acaba por extrapolar os seus próprios limites, transbordando para um "orgasmo espiritual" ou estado de graça.
Confuso?
Não é assim tanto. Vamos por partes!
Para quem não está familiarizado com o acto em si, o sexo tântrico pode soar a algo como "tortura". Afinal, o pouco que se diz sobre o assunto é que é uma espécie de processo de prolongamento do acto sexual sem que haja necessidade de se atingir o orgasmo.
Então por que razão terá tantos adeptos?
Porque o sexo tântrico não é apenas isso. No fundo, essa é só uma pequena parte de uma filosofia muito mais abrangente, que requer uma mudança profunda no modo de vida e na forma de encarar o sexo.
Tantra significa "instrumento de expansão". É um processo que deve ocorrer nos planos mental, espiritual e físico. O objectivo é atingir a realização pessoal e espiritual. E o sexo entra como um ritual sagrado de troca de energia.
Mas como é possível misturar-se sexo e espiritualidade na mesma história?, poderás perguntar…
Bem, temos de compreender que esta forma pudica de encarar a sexualidade é algo característico do mundo ocidental. Basta recordar que o "livro dos livros" sobre sexualidade (o Kama Sutra) foi escrito no século IV pelo nobre hindu Vatsyayana.
Mas para que haja esse envolvimento espiritual no acto sexual, o Tantra defende que é preciso haver uma entrega total, com total confiança no parceiro. É também verdade que as pessoas envolvidas têm de ter uma atitude especial, pois é requerida uma grande sensibilidade e sentido de requinte para assimilar os segredos do Tantra. É mesmo necessário que os candidatos a atingir semelhantes níveis de prazer vejam a sexualidade como uma arte.
Afirma-se ainda que quem se queira dedicar à prática do sexo tântrico terá de deixar para trás os denominados "pecados tântricos": o ciúme e a possessividade.
Isto porque a filosofia do Tantra ensina que o corpo é um templo, o sexo é sagrado e não existem fronteiras entre corpo e espírito.
A relação tântrica começa com um ritual de preparação do ambiente e longos preliminares. Como o orgasmo não é a meta, o Tantra ajuda a combater a ansiedade, eliminando os objectivos tradicionalmente imediatos do acto sexual e convida os amantes a abandonarem-se ao encontro, a entregarem-se e manterem-se completamente presentes, com os sentidos e a atenção despertos.
Mas, para chegar ao nirvana é necessário que o homem não ejacule e que a mulher retarde o orgasmo. Nem todos os que tentam conseguem, pois isso exige níveis de concentração e autocontrolo, que podem ser atingidos através de preparação física e espiritual.
Os praticantes são aconselhados a seguir uma alimentação equilibrada, a não beber e a não fumar - a saúde do corpo está intimamente ligada ao desenvolvimento do espírito. Os adeptos reaprendem a respirar, a alinhar a postura e a aumentar a capacidade de concentração.
Depois basta deixar a energia pulsar de baixo para cima e não no sentido contrário. Ou seja, muitos casais, quando estão em pleno acto sexual, utilizam fantasias para se estimularem e deixam que a energia da mente flua para a zona pélvica. Mas, com o Tantra, passa-se o contrário.
É o próprio acto em si que deverá enviar energias sexuais para o corpo todo, convertendo-o num pólo de sensibilidade. Assim, qualquer parte do corpo sentirá prazer como se fosse um extenso órgão sexual que cobrisse toda a amplitude do corpo e da mente.
Nesse estado, basta um toque na pele, um beijo ou a sensação da respiração do parceiro para desencadear experiências sensoriais e de envolvimento inimagináveis.
E é disto que se fala quando se menciona o factor longevidade do acto sexual através das técnicas do Tantra.
Mas, como já percebeste, “ser tântrico” exige sinceridade, honestidade, desprendimento. Não é apenas mais uma posição do Kama Sutra.
É uma filosofia de vida!
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
Sexo e drogas - Tudo o que é bom é ilegal, imoral ou faz mal à saúde?
Quando pensamos em tudo o que é ilegal, imoral ou que faz mal à saúde, existem duas coisas que estarão necessariamente nessa lista. São elas o sexo e as drogas. Não que seja verdade que em todos os casos essa associação seja verdade. Ora vejamos:
Se o consumo de drogas actualmente já não é considerado um crime, podendo, pelo contrário, levar a que o indivíduo seja encaminhado para um tratamento, o mesmo já não se passa com o tráfico de substâncias ilegais que é ainda e duramente punido por lei.
Por sua vez, o sexo não é ilegal, ainda que durante muito tempo se tenha penalizado todo e qualquer comportamento sexual que não fosse considerado adequado, sendo que o que era considerado adequado seria apenas o coito que tivesse como objectivo a reprodução – de resto, uma concepção bastante limitada da sexualidade humana!
Oscar Wilde, célebre escritor inglês do século XIX foi preso, por ter sido acusado do crime de sodomia, uma vez que era homossexual. Porém, ainda hoje existem certas actividades que são consideradas ilegais, como sejam todas aquelas que vão contra a autodeterminação sexual do indivíduo. Exemplo disso é a pedofilia, além dos exemplos óbvios da violação ou da lenificação (proxenetismo).
É claro que a actividade sexual dita “normal” entre duas pessoas que a desejem e consintam é legalissima, excepto nas situações em que ocorre em contextos considerados menos apropriados, como sejam no meio da rua ou em qualquer outro local público, como sejam uma discoteca ou um centro comercial.
Quando falamos do que é imoral ou não, referimo-nos a padrões, que são individuais e subjectivos, mas também sociais e culturalmente determinados, do que é considerado correcto ou incorrecto, bom ou mau, enfim, referimo-nos a padrões que implicam sempre uma avaliação positiva ou negativa relativa a um dado objecto ou acontecimento. No que respeita às drogas, assim como no que respeita à sexualidade, a aplicação de critérios de moralidade vai depender de quem os está a utilizar e do contexto histórico, social e cultural em que se encontra.
Assim, de alguma forma o consumo de drogas sempre foi julgado por uma parte importante da população de uma forma negativa. A imagem do consumidor de drogas foi muitas vezes associada à de um indivíduo pérfido e perigoso e a droga considerada como um cancro social, responsável por vários males. É claro que, para contrabalançar esta posição, temos algumas outras pessoas, que certamente não serão em tão grande número, que consideram a droga como algo de interessante e até divertido. Provavelmente são mais os jovens que pensam desta forma, abertos que estão a novas experiências e ávidos de sensações agradáveis e fáceis, mas não apenas os mais novos advogam desta posição.
No que respeita à posição moral sobre a sexualidade, esta obviamente que também variou ao longo do tempo. Ao contrário do que se possa pensar, nem sempre existiu a ideia de que a sexualidade era qualquer coisa negativa e em alguns contextos chegou, e chega ainda nos dias de hoje, a ser considerada como algo de extremamente positivo, uma forma superior de espiritualidade, como é o caso das correntes tântricas da religião hindu (daí a questão do sexo tântrico), que deram origem à construcção de templos com estátuas de casais a terem relações sexuais que podem ainda actualmente ser vistas em certas zonas da Índia.
Mas também no ocidente se encontram alturas da História em que existia uma maior abertura para com as questões da sexualidade, por exemplo durante o Renascimento, o que permite, por exemplo, que Leonardo da Vinci realize os seus estudos sobre reprodução e sobre anatomia sexual e que ele próprio e outros realizem algumas das belíssimas obras de arte que todos já vimos e que retratam corpos perfeitos e despudorados. Por outro lado, períodos como a Idade Média ou o século XIX, em que predominou a corrente do Vitorianismo, verifica-se uma repressão explícita e por vezes mesmo agressiva da sexualidade.
Na actualidade, vivemos num período de transição, em que assistimos a uma progressiva abertura face à sexualidade mas em que, ao mesmo tempo, ainda existem ecos de um passado que condenava a sexualidade e que a associava ao pecado e a tudo aquilo que pode ser negativo no ser humano – visão esta radicalmente diferente da hindu que já referimos.
Por último, resta-nos a questão de saber se sexo e drogas fazem mal à saúde. É uma questão também ela controversa, mas em relação à qual temos já certas informações que nos chegam da investigação científica e já não da subjectividade da moral ou da rigidez, por vezes desadequada (em relação à diversidade de realidades com que tem de lidar), da lei.
Quando falamos dos efeitos das drogas para a saúde, temos de ter a consciência de que estamos a referirmo-nos a muita coisa diferente. Ou seja, de todas as drogas que existem, ou mesmo se nos ficarmos por aquelas que são mais comuns entre nós, existem algumas que se sabe serem mais ou menos inócuas para a saúde, como é o caso da heroína ou do cannabis, e outras que podem afectar a saúde de uma forma por vezes grave, como é o caso do álcool, dos barbitúricos ou do ecstasy. Em relação a estas últimas, sabemos que a sua toma pode ter efeitos por vezes graves sobre o organismo, como é o caso de problemas cardíacos em consumidores de ecstasy, ou dos problemas de fígado em alcoólicos, sendo que alguns destes efeitos são potencialmente irreversíveis.
Conhecem-se, de resto, alguns casos de pessoas que morreram depois do consumo de ecstasy, para não falar dos problemas de hepatites e cancro de consumidores habituais e em excesso de álcool. No que respeita a muitas das outras drogas, e por estranho que possa parecer, o facto é que muitas delas não têm um efeito directo negativo sobre a saúde. Um indivíduo pode consumir heroína uma vida inteira sem que por isso chegue a ter qualquer problema de saúde grave.
É por esse motivo que alguns defendem que se deve dar droga aos toxicodependentes, porque essa seria uma maneira de evitar alguns dos problemas sociais e médicos que se encontram associados à toxicodependência. Mas, por outro lado, há a ter em conta os efeitos que a droga tem sobre a consciência e sobre o comportamento. O que acontece é que muitos toxicodependentes, em particular de drogas duras, acabam por fazer coisas que lhes afectam a saúde. Assim, ainda que não seja a droga em si a afectar a saúde destes indivíduos de uma forma directa, eles acabam por ter muitos problemas de saúde devido ao que fazem para arranjar droga (por exemplo, prostituir-se), ao que fazem quando estão sob o efeito da droga (por exemplo, conduzir sob o efeito de álcool) ou ainda ao que fazem por causa das consequências sociais da toxicodependência (por exemplo, dormir na rua ou não ir ao médico quando se está doente).
Mesmo um simples charro pode afectar o que o indivíduo faz ou a forma como pensa e levá-lo a fazer coisas que de outro modo não faria, como seja ter relações sexuais sem preservativo ou qualquer coisa tão simples como seja atravessar a rua sem olhar para os dois lados e, devido a isso, ser atropelado. Certamente que muitas mais coisas haveriam a dizer sobre esta questão da relação entre a droga e a saúde, sendo que me limitei a apontar alguns dos que me parecem mais importantes. Não queria deixar de referir, porém que muitas vezes quando se consomem drogas está-se também a levar muitos brindes.
O que eu quero dizer com isto é que uma das formas de aumentar o lucro que se tem com a droga é misturando-lhe outras substâncias, os chamados produtos de corte, e que esses sim podem ser prejudiciais para a saúde. Tal é o caso do gesso, do giz ou até do amoníaco ou do cimento, que podem ser misturados na heroína ou na cocaína, muitas vezes com efeitos fatais para quem os consome.
No caso da sexualidade, o que se sabe sobre as suas relações com a saúde não é muito mas, regra geral, o que se pode dizer é que o sexo faz bem à saúde! Desde o facto de constituir uma forma de exercício físico moderado, passando pela possibilidade que oferece de estimular a círculação sanguínea, sabe-se ainda que pode ser uma forma de aliviar a tensão e até de atenuar a dor em pessoas que possuam problemas de dor crónica. Falando em saúde num sentido lato, que inclui tanto a vertente física como a emocional, a sexualidade acaba também e obviamente, por ter uma importância determinante na manutenção da saúde mental, por exemplo, por possibilitar a proximidade e a intimidade entre um indivíduo e o seu parceiro, aumentando a sua satisfação e bem estar em relação à vida em geral, entre muitas outras coisas.
É claro que, no meio de todos estes aspectos mais positivos, não nos podemos esquecer que existem aspectos da sexualidade e comportamentos sexuais que podem afectar de uma forma negativa a saúde. Aliás, hoje em dia é muito fácil cair na tentação de apenas abordar a sexualidade em relação ao que de mau ela pode trazer, o que se deve, em grande medida ao aparecimento da SIDA em inícios dos anos 80, com todas as complicações que veio a trazer em termos de saúde e em termos sociais. De resto, a não utilização do preservativo, a possibilidade de engravidar num momento da vida em que não se deseja que tal aconteça, uma interrupção da gravidez feita em condições pouco adequadas, uma violação, uma doença sexualmente transmissível, são alguns exemplos de situações em que saúde e sexualidade se intersectam da pior forma, com consequências graves para o bem-estar do indivíduo e, consequentemente, para o daqueles que o rodeiam.
Conclusões gerais
Direito, moral e saúde: três áreas que com alguma frequência são associadas a drogas e ao sexo, ambas frequentemente consideradas polémicas. Desta nossa análise, um tanto ou quanto superficial, relativamente às questões que se levantam a propósito da toxicodependência e da sexualidade quando os parâmetros de leitura são estes três, resta-nos tecer alguns comentários em jeito de conclusão:
Consumo de substâncias e sexualidade desde sempre estiveram presentes na História da humanidade. O que variou foi a forma como ambas foram encaradas, sendo que, em alguns momentos, existiu uma maior abertura em relação às mesmas e noutros parece que predomina a repressão.
Aparentemente, no momento actual existe uma maior abertura social em relação a estes temas, abertura esta que é progressiva em relação à sexualidade, ainda que em relação ao consumo de drogas o mesmo não seja tão obvio. De qualquer modo, é possível que algo de semelhante possa estar a ocorrer, o que se pode verificar a propósito da recente descriminalização do consumo de substâncias e de algumas medidas políticas relacionadas com o incentivar do tratamento, como contraponto à defesa da punição do consumidor.
No imaginário popular, sexo e drogas sempre se encontraram de alguma forma associadas, fazendo ambas parte do mesmo grupo de actividades mais ou menos ilícitas, a que certos grupos marginais da sociedade dedicam uma parte considerável do seu tempo, em vez de estarem a fazer algo de útil para a sociedade. Pelo facto de serem actividades que implicam um abandono ao prazer e à vivência daquilo que é muitas vezes considerado como oposto à ordem natural das coisas, acabam ambas por ser vistas como ameaças à estabilidade e coesão da sociedade. Implícita a esta ideia está que, se todos nos dedicassemos a consumir drogas e a praticar sexo, certamente que a sociedade tal como a conhecemos deixaria de existir.
Por último, há também que não esquecer que muitas pessoas procuram consumir drogas por motivos sexuais. Ou seja, por vezes o motivo que leva algumas pessoas a consumir drogas pode ser por quererem sentir-se mais descontraídas e, portanto, mais capazes de travar novos conhecimentos. Outras tomam certas drogas porque acham que vão ter mais prazer nas relações sexuais. Outras ainda, tomam-nas porque são muito inibidos em relação ao sexo e por isso pensam que vão ser mais capazes de se envolver em relações sexuais se consumirem a droga A ou B. Quase todas as drogas podem ser utilizadas por estes motivos, ainda que algumas sejam mais associadas a esta questão, como sejam o álcool, o cannabis ou o ecstasy.
Sem dúvida que, se a pessoa estiver um pouco desinibida, acaba por estar mais disponível para um envolvimento sexual. Pode até acontecer que tenha certos comportamentos e que se envolva com certas pessoas, o que não faria se estivesse no seu estado “normal”. Porém, de investigações realizadas, sabemos que álcool e drogas podem, pelo contrário, prejudicar a actividade sexual, por exemplo, dificultando a erecção no homem e a lubrificação vaginal da mulher. No caso do ecstasy, então, a perspectiva é ainda pior: apesar de as pessoas que consomem esta droga dizerem que se sentem muito próximas das outras – é a chamada love drug – o facto é que sob, o seu efeito, raramente se consegue ter relações sexuais.
O mesmo acontece com os consumidores de heroína que habitualmente perdem o interesse sobre a sexualidade, uma vez que, de entre outros motivos, toda a sua vida acaba por estar centrada em torno da droga, passando tudo o resto a ser secundário, ainda que muitas vezes se prostituam para obter dinheiro para os seus consumos, pelo que aí a sexualidade tem um papel instrumental – é utilizada em função de um outro fim considerado mais importante.
Sexo e drogas, legais, ilegais, morais, imorais, bons e maus para a saúde. Como tudo na vida, deverão ser utilizados com conta peso e medida. Mesmo em relação ao álcool, existem médicos que aconselham que um copo de vez em quando faz bem à saúde. É claro que o ideal é que as pessoas consigam evitar as drogas porque de facto podem, na maioria das circunstâncias ser prejudiciais para si próprias e também para terceiros.
Em relação à sexualidade, já não se pede o mesmo... Pobres de nós se as relações sexuais tivessem que ser evitadas por poderem fazer mal. Apesar de que, também em relação à sexualidade, se tenha que ter certos cuidados e que também ela deva ser utilizada com moderação e ponderação quanto baste, para que não chegue a ser ilegal, imoral ou que faça mal à saúde...
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
Quando um amigo tem SIDA
Quando alguém que conhecemos é atingido pela SIDA, sentimo-nos impotentes, desamparados, temos medo de não estar à altura de lidar com a angústia que isso provoca. Se se trata de um amigo íntimo, decerto que lhe diremos "telefona-me sempre que precisares de qualquer coisa". Mas, reconheçamos, temos medo que isso aconteça.
Não devemos evitar este amigo que precisa de nós pois podemos ser uma fonte de de conforto e, logo, de esperança (nesse momento, um verdadeiro amigo é mais valioso do que nunca). Se queremos sinceramente ajudar essa pessoa, as sugestões que vêm a seguir poderão permitir que o façamos da melhor maneira. O texto que aqui reproduzimos foi concebido pela Associação Abraço.
Vida prática
Telefone-lhe para saber se pode passar lá em casa. Deixe o seu(ua) amigo(a) decidir; ele(a) pode não ter vontade de o receber nesse dia.
Peça-lhe a lista de compras a fazer. Telefone-lhe a saber o que é que ele(a) precisa da mercearia ou do talho. Carregar os sacos das compras é cansativo.
Telefone-lhe e diga-lhe que gostaria de cozinhar um petisco. Deixe-o(a) escolher o dia e a hora da refeição. Programe o seu tempo de forma a poder partilhar calmamente essa refeição.
Proponha-se a ajudá-lo(a) a responder às cartas difícieis que colocam problemas, em especial a correspondência administrativa e aquela que ele(a) evita responder. Tente evitar-lhe os problemas relacionados com o pagamento de facturas em atraso (telefone, electricidade...).
E as limpezas domésticas? Sabe que muitas vezes uma depressão começa numa casa desarrumada. Ajude-o(a) nas lavagens da roupa, limpe o pó, cuide dasplantas e dê de comer aos animais domésticos, que são muitas vezes a companhia mais chegada que o(a) seu(ua) amigo(a) tem.
Ajude-o(a) a pentear-se, a fazer a barba e a cuidar da aparência física.
Deixe o(a) seu(ua) amigo(a) exprimir-se. Encoraje-o(a) a tomar decisões, mesmo as mais banais. A doença fez-lhe certamente perder o controlo de muitos aspectos práticos da vida. Não lhe negue a oportunidade de tomar decisões, por insignificantes e mínimas que lhe possam parecer.
Seja imaginativo(a)! Leve-lhe jornais, revistas, livros, CDs, flores, um doce. Agora tudo isso pode ter muita importância, para lhe dar alegria e calor humano.
Se o(a) seu(ua) amigo(a) segue um tratamento relacionado com a dependência de drogas pode acompanha-lo(a) às consultas. Por vezes, os horários das tomas dos medicamentos são complicados e difícies de memorizar. Pergunte-lhe se precisa de ajuda para programar o despertador ou ofereça-se para lhe telefonar se ele(a) achar necessário. Mas, tenha cuidado: evite insistências indesejáveis.
Tempos livres
Uma saída, um passeio juntos pode ser muito agradável. Tenha em consideração os limites da resistência física do(a) seu(ua) amigo(a).
Celebre com ele(a) as datas festivas; proponha-lhe decorar a sala ou o quarto. Ofereça-lhe uma prenda. Leve-o(a) a convidar os amigos mais chegados. As festas não estão todas marcadas no calendário... é fácil inventá-las.
Sugira-lhe um passeio de carro à praia ou ao campo, uma ida ao cinema ou qualquer outra actividade que o(a) faça sentir melhor.
Conte-lhe os pequenos acontecimentos quotidianos. Ponha-o(a) ao corrente das actividades do seu círculo de amigos.
A propósito da doença
O(A) seu(ua) amigo(a) talvez esteja cansado de falar sobre o seu estado de saúde. Mas se ele(a) sente necessidade de o fazer ou de falar do medo de morrer, não o impeça. Quem, para além de si, poderá escutá-lo(a)?
Pode pôr-lhe questões sobre a sua doença. Mas tente perceber se o(a) seu(ua) amigo(a) tem vontade de ter esse tipo de conversa.
Se o acha com boa cara diga-lho, mas só se for caso disso. Se o aspecto físico do(a) seu(ua) amigo(a) mudou, não tente ignorá-lo. Não precisa de mentir. É a dignidade do doente que está em jogo. mas nada o impede de ajudá-lo(a) a melhorar o seu aspecto.
Não passe o tempo a dar-lhe lições de moral! E sobretudo nada de lições de coragem. Se o(a) seu(ua) amigo(a) enfrenta a doença de uma forma que considera não ser a melhor, não o(a) critique severamente. Talvez não possa compreender os estados de espírito e as escolhas que ele(a) tem de enfrentar.
Não confunda a aceitação da doença com fatalismo. Não deixe o(a) seu(ua) amigo(a) sentir-se culpado(a) por estar doente. Lembre-lhe que esta doença não é provocada por um "estilo de vida" mas sim por um vírus.
Ajuda e conforto
Reconfortar pode ser muito simples, basta estar presente. Não hesite em dar-lhe um beijo, fazer-lhe uma festa ou acariciar. A SIDA não se transmite assim - todos o sabemos. Mas talvez não se tenha dado conta que, com o simples gesto de pousar a mão na mão do(a) seu(ua) amigo(a) pode demonstrar-lhe que está perto dele(a).
Cumpra todas as suas promessas.
Não precisa de ter sempre motivo de conversa. O silêncio é também importante: uma presença amiga pode ajudar a adormecer, enquanto que a solidão pode manter uma vigília ansiosa. Pode-se simplesmente ouvir música ou ver televisão em conjunto.
Prepare-se para a eventualidade de o(a) seu(ua) amigo(a) ter períodos de cólera sem razão aparente, mesmo que pense que tem dado o seu melhor. Como todos nós, os doentes têm dias bons e dias maus. Nos dias bons, trate o(a) seu(ua) amigo(a) da mesma maneira que trata todos os seus amigos mas, nos dias maus, tenha um cuidado especial com ele(a). Lembre-se que, com frequência, todos nós manifestamos a nossa revolta e a nossa frustração com aqueles que estão próximos porque sabemos que nos compreendem. O(A) seu(ua) amigo(a) que está doente não deve sentir-se impedido de demonstrar a sua angústia.
Se vai estar fora, escreva-lhe um postal.
Se ambos têm fé, acompanhe-o(a) à igreja ou reze com ele(a). Não hesite em compartilhar a sua fé com o(a) seu(ua) amigo(a). A espiritualidade pode ser um recurso valiosíssimo, especialmente nesta altura.
Querem ter relações sexuais? Podem fazê-lo, uma vez que ambos sabem quais as precauções que devem tomar para se protegerem. Sejam imaginativos. A ternura pode exprimir-se através de gestos, carícias e massagens.
Fale com o(a) seu(ua) amigo(a) no futuro. Amanhã, na próxima semana, no ano que vem... É importante olhar para o futuro sem negar a realidade do presente. É importante ter esperança.
A família e os amigos
Os que se ocupam do(a) seu(ua) amigo(a) também precisam de falar com alguém. Convide-os a sair consigo. Faça-lhes companhia. Embora seja o(a) seu(ua) amigo(a) que está doente, eles podem sentir-se "em baixo".
Se o(a) seu(ua) amigo(a) tem filhos, ofereça-se para os acompanhar à escola ou ao dentista, por exemplo. se não vivem com ele(a) convide-os para um passeio ou para uma ida ao cinema.
Finalmente, trate de si próprio também. Dê atenção às suas próprias emoções e saiba respeitar os seus limites. Converse com os seus amigos, com a família ou com um grupo de apoio. Sentindo-se apoiado, conseguirá ajudar melhor o seu amigo(a) que está doente.
terça-feira, 25 de outubro de 2011
Entrada dos jovens no mundo dos adultos
Remontando à criação do homem, o processo ritual acompanha a humanidade desde os seus primórdios. Reveladores dos valores mais profundos das comunidades, os rituais adquirem uma particular importância no debute no mundo adulto.
É um percurso individual, onde cabe o amor, a insegurança, a expectativa, a emoção e as sensações físicas. A maturidade, tanto emocional como física, passa por várias fases e as influências da família, dos amigos, companheiros e mesmo das mensagens implícitas ou impostas pelos meios de comunicação e grupos sociais podem originar reacções muito diferenciadas, o que poderá afectar a auto-estima do jovem.
A transição para a fase adulta e as mudanças consequentes, podem provocar tanto sensações de felicidade, êxtase e orgulho, mas também, de ansiedade, tensão, confusão e mesmo de algum desespero. É ainda uma fase de procura de informação fiável de busca de resposta para muitas questões. Neste processo de maturação, é decisiva a liberdade de escolha, a confidencialidade e o recurso a um apoio compreensivo.
No que diz respeito à questão da sexualidade, e apesar deste ser uma tema cuja importância vai sofrendo alterações ao longo da vida, para o jovem é algo que quase se impõe, independentemente da sua vontade. Mas é importante salientar que o jovem poderá não se sentir ou não querer ser sempre sexualmente activo.
Na maioria da sociedades, é um momento marcante, para a rapariga, a chegada da primeira menstruação. O seu comportamento poderá sofrer com as mudanças hormonais e as adaptações do seu corpo, num primeiro embate com a entrada nas responsabilidades do mundo adulto.
O ingresso neste mundo está intimamente ligada a ritos de iniciação, que se diferenciam entre regiões do mesmo país ou entre países, mas constituem uma importante parte da cultura, tendo lugar na puberdade e de formas separadas para rapazes e raparigas. Nestes momentos, simplesmente traduzidos, por exemplo, numa conversa entre um dos pais e o filho(a), ou adquirindo a dimensão uma cerimónia comunitária, pretende-se ensinar a lidar com a sexualidade e outros aspectos da vida adulta, ajudando a compreender um conjunto de mudanças ocorridas no corpo. Numa preparação para os desafios da vida em sociedade, os ensinamentos são transmitidos, consoante a tradição ou a oportunidade, pelos pais, pela família, por educadores, por pessoas mais velhas e de experiência reconhecida...
Um dos aspectos mais importantes do rito de iniciação, em algumas comunidades, é a circuncisão dos rapazes; um procedimento que deverá ser executado em segurança numa clínica com condições higiénicas e instrumentos esterilizados. É muito importante que os praticantes estejam a par dos riscos para a saúde e da dor associada a este procedimento.
Mas a entrada no mundo dos adultos implica muitas outras dimensões e acarreta consigo um primeiro contacto com algumas responsabilidades que farão parte da vida futura, mas que o jovem poderá recear. A escolha de uma profissão, o sair de casa, encontrar uma habitação, constituir família enfim, uma série de responsabilidades sociais, financeiras, de deveres e direitos com que o jovem, gradual ou abruptamente, se vai confrontando.
Fases de solidão, acontecimentos decepcionantes e insucessos podem ser traumatizantes e é essencial o devido acompanhamento da família, dos professores e companheiros.
O jovem prepara-se para dar entrada no mundo dos adultos, mas este é diferente do dos seus pais. As influências são marcadas pela actualidade, as experiências têm uma outro contexto, num crescimento marcado por uma dualidade entre dois percursos, social e individual, que se acompanham, por vezes, em conflito, outras de forma mais harmoniosa.
Bibliografia
Federação Internacional para o Planeamento Familiar
BBC World Service
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
Assédio sexual
Olhares tão penetrantes que parecem despir, peça a peça, a roupa que se veste, toques despropositados, bilhetinhos cheios de segundas intenções e, em casos extremos, piropos que não deixam nada à imaginação. É assim que se descrevem os muitos casos de assédio sexual que, seguindo alguns testemunhos, ocorrem em vários locais de trabalho.
O assédio sexual não é uma brincadeira sem consequências e, muito menos, uma tentativa de aproximação romântica. O assédio é, isso sim, uma forma de agressão que, além de atentar contra a dignidade da pessoa a quem se dirige, também acaba por minar a sua própria relação com a função que desempenha na empresa.
E, se reparaste bem, até agora falámos nas vítimas enquanto pessoas, sem definir o seu género. Isto porque, apesar ser mais comum colocar as mulheres no papel de vítima de agressão (talvez devido à subserviência que lhes foi atribuída ao longo da História), a verdade é que também os homens passaram a ser alvo de assédio sexual.
Estranho, não é?... “Como é que uma mulher consegue assediar sexualmente um homem?”. Bom, tens que perceber que “assédio” não é sinónimo de agressão física (apesar de ser essa a conotação mais forte), mas sim de uma questão de poder abusivo.
Existe um filme protagonizado por Demi Moore e Michael Douglas (Disclosure - Revelação) no qual é transmitida a ideia de como é que um homem se pode tornar vítima de assédio sexual por uma superior hierárquica.
A pior consequência de uma situação de assédio é a perda do emprego e da credibilidade. Como poderás imaginar, alguém que não “colabore” com o assediador corre o risco de ver a sua posição na empresa ser posta em causa ou, pior, acabar por perder o emprego.
Mas o facto é que, apesar da situação descrita, frequentemente as vítimas não chegam a denunciar o assédio. Fazem-no porque temem ser completamente desacreditadas pelo assediador e tornar-se alvo de chacota geral. Outros não o fazem por medo ou por não saber o que fazer ou a quem recorrer nestas circunstâncias.
O facto é que é se torna difícil saber em que ponto é que um piropo (ou outra acção) ultrapassa os limites legais.
No entanto, mesmo sem existir uma fronteira legal, a vítima de assédio não pode simplesmente cruzar os braços e aceitar a sua (má) sorte de “bom” grado. A partir do momento em que não se denuncia um abuso destas proporções, passa-se a ser conivente com uma situação que, como já dissemos, pode piorar e passar das palavras aos actos (abuso físico).
Por isso, convém saberes que há atitudes a tomar caso esta situação de assédio se verifique:
Começar por deixar bem claro que esses avanços te são desagradáveis e que te recusas a participar.
Se mesmo assim o assédio persistir, tenta falar com amigos/familiares/colegas sobre o assunto. Não é boa ideia guardares os teus sentimentos só para ti. E, caso seja necessário mais tarde, terás alguém que te apoie.
Arranja provas que não deixem dúvidas sobre o que se está a passar. Grava conversas, guarda bilhetinhos ou e-mails comprometedores e, se conseguires, arranja uma testemunha.
Depois de reunires provas (isto é muito importante porque uma acusação de assédio sexual não deve ser feita de ânimo leve), deves dirigir-te à entidade patronal. O mais correcto será redigir uma denúncia escrita e enviá-la através de carta registada com aviso de recepção.
É importante apresentar queixa à CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego).
Informa o teu sindicato do que se está a passar para que te possa defender. Caso não sejas sindicalizado(a) faz queixa ao Delegado do Ministério Público do Tribunal do Trabalho ou da Comarca da tua residência.
Para terminar, deves apresentar queixa na GNR, PSP ou na Polícia Judiciária da tua área!
Como já percebeste, o assédio sexual é uma situação muito grave, por isso não deixes que se prolongue. Mesmo que não se passe contigo, se tiveres conhecimento de alguém que esteja a passar por esse problema, tenta ajudá-lo(a).
É preciso que haja uma mudança de mentalidades de forma a cimentar a igualdade e o respeito no local de trabalho. Faz a tua parte!
sábado, 15 de outubro de 2011
Escola e Educação Sexual
Comecemos por enquadrar a sexualidade. A sexualidade tem uma vertente emocional, sendo um elemento essencial na formação da identidade global, do auto-conceito, da auto-estima e do bem-estar físico e emocional de qualquer ser humano. É também uma componente essencial do relacionamento com os outros, nomeadamente no campo amoroso.
A sexualidade pode também estar associada a acontecimentos com uma carga negativa: gravidez não desejada, transmissão de doenças sexuais, episódios de violência e abuso.
A faceta mais marcante da sexualidade, no contexto escolar, é o facto de ser uma das características humanas mais determinadas e moldadas pelo processo de socialização. O que cada um de nós é, fantasia, deseja ou põe em prática a nível sexual é o resultado de uma processo de interacção e aprendizagem contínuo, realizado num contexto formal (a escola ou a religião, por exemplo) ou informal (os meios de comunicação social, são o exemplo por excelência).
Uma vez que todas as sociedades procuram, formal ou informalmente, transmitir valores fundamentais e normas de conduta no que à sexualidade toca, a Escola tem um papel a desempenhar neste âmbito, enquanto espaço privilegiado de socialização para as crianças e os jovens.
Voluntária ou involuntariamente, a Escola é um lugar onde se constroem saberes e que suscita vivências ao nível afectivo-sexual (“faça as contas” à sua vida sentimental e veja se não é verdade que conheceu a maior parte dos(as) seus (uas) namorados(as)… na Escola) e que não se pode furtar a uma abordagem:
- formal;
- estruturada;
- intencional;
- adequada;
de um conjunto de questões relacionada com a sexualidade humana, a qual é comummente designada Educação Sexual em contexto escolar.
Assim, cabe à Escola esforçar-se para:
- formar agentes educativos (professores, auxiliares de acção educativa, psicólogos,…) que ajam de forma adequada e coerente face às dúvidas que lhes são colocadas;
- abordar de forma pedagógica os temas da sexualidade humana, privilegiando o espaço turma;
- apoiar as famílias na Educação Sexual de crianças e jovens, envolvendo-as no processo de ensino/aprendizagem e/ou em actividades específicas;
- estabelecer mecanismos de apoio individualizado e específico às crianças e jovens que dele necessitem. Para terminar, a Escola não deve deixar de lado a estratégia de formação pelos pares, recorrendo a líderes de pares que, graças à sua capacidade de influenciar os outros jovens na sua forma de pensar e agir, podem contribuir de forma significativa para a Educação Sexual, nomeadamente no que diz respeito à prevenção de comportamentos de risco. Na programas de educação pelos pares que são bem sucedidos pesam-se os seguintes aspectos:
- os jovens tendem a imitar amigos/colegas que tomam como modelo;
- é frequente que os jovens ouçam o que esses colegas carismáticos (líderes) lhes dizem;
- estes líderes de pares podem influenciar o comportamento dos restantes jovens de forma positiva através do seu protagonismo e modo de agir;
- estes líderes de pares podem encorajar e apoiar os restantes, quer dentro quer fora da Escola;
- estes líderes podem funcionar como auxiliares do professor em actividades na sala de aula, ajudando colegas que trabalhem, por exemplo, em pequenos grupos.
É, porém, necessário frisar que em circunstância alguma deverão estes jovens assumir papéis que cabem a profissionais e técnicos adultos.
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
Direitos Sexuais e reprodutivos no mundo contemporâneo
As palavras de Shakespeare na boca de Othelo tornaram-se clássicas e remetem-nos para a sempre presente questão da existência humana, para as suas dúvidas e angústias, as suas vississitudes e fragilidades. Quem nunca se terá, em algum momento da sua existência, questionado sobre o sentido da sua vida, sobre se lhe fazia sentido continuar a viver, sobre se existe algum propósito no facto de respirar, ter um coração que bate e, acima de tudo, um cérebro que pensa e que é a sede de todas estas dúvidas…? De um modo ou de outro, sabemos que é essa existência, é essa vida o que de mais precioso temos e que tudo o resto é supérfluo, secundário, dispensável. Todos os bens materiais do mundo não chegam para pagar uma vida humana que é, por definição, sem preço.
Se nem sempre este valor foi reconhecido como hoje, se ainda na actualidade em certos contextos culturais e em certas circunstâncias peculiares (por exemplo, na guerra) a vida humana pode ser posta em segundo plano em função de bens considerados maiores, sejam eles materiais, espirituais ou outros, o certo é que o direito à vida, em termos da política internacional como à luz das correntes ideológicas predominantes, é considerado como o principal dos direitos humanos. Lê-se na carta internacional dos direitos do Homem, logo no seu primeiro ponto que “todos os Homens têm direito à vida”. Vejamos a lista completa destes direitos:
1 - O direito à vida.
2 - O direito à liberdade e segurança da pessoa.
3 - O direito à igualdade e o direito a estar livre de todas as formas de discriminação.
4 - O direito à privacidade.
5 - O direito à liberdade de pensamento.
6 - O direito à informação e à educação.
7 - O direito de escolher casar ou não e de constituir e planear família.
8 - O direito de decidir ter ou não os filhos e quando os ter.
9 - O direito aos cuidados e à protecção da saúde.
10 - O direito aos benefícios do progresso científico.
11 - O direito à liberdade de reunião e participação política.
12 - O direito a não ser submetido nem a tortura, nem a tratamento desumano ou degradante.
Se a carta dos direitos humanos tem já vários anos de existência, em tempos mais recentes surgiu a necessidade de salvaguardar outro tipo de direitos. Referimo-nos aos direitos sexuais e reprodutivos que são o conjunto de princípios relacionados com a sexualidade e com a saúde sexual e reprodutiva que todos os indivíduos deverão ter garantidos. Não por acaso, quando se começou a pensar em criar esta lista, foi na anterior, ou seja, na dos direitos humanos onde mais do que inspiração, se foi buscar o mote para desenvolver um conjunto de princípios que se considera necessário salvaguardar.
Deste modo, no que respeita ao referido direito à vida, ele foi utilizado para reforçar algumas das questões que se têm colocado a este propósito no que se refere à questão do género. Exemplos disso são que a vida de nenhuma mulher não deverá ser posta em risco devido à gravidez, ou que a vida de nenhuma criança deverá ser posta em causa devido ao seu género, masculino ou feminino. Sabemos que, ainda hoje existem situações de grandes inequidades relacionadas com o facto de se nascer com um sexo masculino ou feminino. Em alguns contextos culturais, ser-se mulher pode ser um factor de risco. Mesmo em contextos considerados mais “evoluídos”, o género continua a ser um factor de desigualdade, existindo contextos em que se proporcionam maiores condições e possibilidades aos níveis familiares (saídas das raparigas à noite), sociais (o que é permitido a uns e outros fazer em contextos sociais – para as mulheres certos comportamentos podem fazer com que sejam vistas como “mulheres mal comportadas”), profissionais (que profissões são mais acessíveis a indivíduos de que género).
Por este motivo, um dos direitos consagrados pela legislação de diversos países é o da não discriminação baseada do sexo. O que não significa necessariamente que esse direito seja garantido a todas as pessoas. De resto, se optou por introduzir este direito também na carta de direitos sexuais e reprodutivos, tal implica necessariamente que esse é ainda um direito que não se encontra plenamente verificado por esse mundo fora. Caso contrário não seria necessário salvaguardá-lo. Por outro lado, não será alheio a este cuidado de quem elaborou a lista o facto de que a sexualidade é algo intrinsecamente humano. Desde que nascemos que somos seres sexuados e sexuais. Sexuados porque, como já foi reforçado, todos nascemos com um determinado sexo biológico, que cria toda uma série de expectativas, ainda antes de se nascer, na fantasia dos pais, potenciado pela tecnologia que permite que este tipo de informação esteja disponível a partir dos cinco meses.
Somos também sexuais porque desde que nascemos que temos uma tendência natural para gostar de experimentar o prazer. Além disso, o mundo da sexualidade não é constituído apenas da dimensão física e muito menos genital do sexo, mas enriquecida por toda uma dimensão imagética, fantasiada, vivida no âmbito do desejo e da atracção, do sonho e da sedução, e tudo isto mesmo que nunca se chegue a concretizar o acto sexual. É exactamente devido a toda esta dimensão da sexualidade que é importante pensar sobre a questão dos direitos sexuais e reprodutivos.
Sendo uma questão que pode parecer relativamente teórica e pertencendo à esfera da ideologia e eventualmente da política, ultrapassa em muito esta vertente e relaciona-se com a vida de todos nós de uma forma muito próxima. No que respeita aos direitos sexuais, como em relação aos direitos humanos, ou outros, temos sempre que ter em consideração que os direitos de uns terminam quando se iniciam os de outros. Se na actualidade é relativamente consensual o facto de que as pessoas têm relações sexuais eminentemente e na grande maioria das vezes por prazer, será o prazer sexual um direito de todos? A resposta aparentemente lógica a esta questão é que sim, ou seja, todas as pessoas têm direito a ter prazer sexual. Mas e se a minha forma de ter prazer interfere com o bem estar de outros, será que se mantém este direito? O exemplo talvez mais actual desta questão é o da pedofilia. Um pedófilo é, por definição, um indivíduo que se excita sexualmente e que tem desejo sexual por crianças e pré-adolescentes. A sua forma preferêncial de ter prazer sexual é, assim, através das relações sexuais com menores. Terá este indivíduo direito a concretizar as suas fantasias e desejos? De acordo com muitos destes indivíduos, a resposta é que sim. De acordo com a maioria das restantes pessoas e de acordo também com a legislação vigente ma maioria dos países, a resposta consensual é que não. Neste caso em particular o direito que um indivíduo tem em ter prazer não é superior à possibilidade de, através desse acto, ser posto em causa o bem-estar e equilíbrio de uma criança.
Um outro exemplo, relacionado com situações que, à semelhança da pedofilia, não são frequentes, mas que vão encontrando alguma expressão em alguns meios, nomeadamente entre os mais jovens. Refiro-me ao sadomasoquismo, ou seja, a todas e quaisquer práticas em que se utilize a indução de dor, humilhação e sofrimento sobre outra pessoa ou sobre si próprio com o objectivo de obter gratificação sexual. Têm as pessoas sadomasoquistas direito aos seus (des)prazeres? É legitimo provocar dor noutras pessoas ou em si próprio para satisfazer as suas fantasias? Durante muito tempo o sadismo e o masoquismo foram considerados como perturbações mentais, como perversões do desejo e portanto como desvios do comportamento sexual considerado “normal”. Porém, o que é considerado normativo num dado momento deixa de o ser num outro e é sempre importante que existam outros parâmetros que nos permitam qualificar um dado comportamento ou preferência como “anormal”. Em relação à pedofilia, já vimos que no momento actual se consideram os direitos da criança ao bem-estar e à protecção como superiores aos desejos de outrém, fazendo com que o desejo do pedófilo seja considerado perturbado. Em relação ao sadomasoquismo, a posição é um pouco diferente, desde que seja praticado entre adultos que consintam em envolver-se nesses comportamentos e também que não sejam motivo de preocupações e angústias que interfiram com o bem-estar subjectivo do indivíduo. É certo que isto se passa ao nível do que é actualmente mais consensual entre os profissionais da saúde mental, e não propriamente ao nível do senso comum em que o olhar sobre este tipo de práticas é ainda pesado.
Mas nem precisamos de recorrer a exemplos tão extremos para continuarmos a discutir as questões dos direitos sexuais. Refiro-me à questão da livre associação amorosa, ou seja, supostamente todos temos o direito de nos relacionarmos amorosa e sexualmente com quem quisermos (e também com quem se queira relacionar connosco). O certo é que se a pessoa com quem optamos por nos relacionar é do mesmo sexo, as coisas mudam um pouco de contornos. Não é que seja proibido o relacionamento afectivo entre pessoas do mesmo sexo (ainda que a não discriminação com base na orientação sexual não esteja consagrada na lei), mas o certo é que o assumir publicamente de uma relação homossexual não é livre de riscos, quanto mais não seja do olhar crítico, chocado, divertido ou de desprezo dos outros. Mas, além disso, existe ainda o risco da discriminação ao nível profissional ou social isto apesar de, na maioria dos casos e, pelo menos entre nós, prevalecer a tradicional tolerância que, nunca deixo de reforçar, não é sinónimo de uma verdadeira aceitação, mas antes uma solução de compromisso devida aos laços afectivos que se tem em relação às pessoas em causa.
Outra área muito actual em que se colocam questões a propósito dos direitos sexuais e reprodutivos é a relativa ao corpo e a quem tem a autoridade ou a liberdade para agir sobre ele. Esta questão coloca-se, por exemplo, ao nível do transexualismo. Como é do conhecimento comum, o transexualismo é uma condição em que existe uma não coincidência entre o corpo biológico, muito em concreto entre os caracteres sexuais (primários e secundários), e a identidade sexual, ou seja, a consciência internalizada de que se é homem ou mulher. Assim, um indivíduo que tenha órgãos e características sexuais femininas pode sentir-se, do ponto de vista psicológico, como um homem. O que acontece é que, na maioria das vezes, essa pessoa vai ter o desejo de modificar o seu corpo em função da sua vivência interna do mesmo, ou seja, vai desejar efectuar uma mudança de sexo para se sentir bem consigo próprio. Se alguém decide fazer uma operação plástica para modificar, por exemplo, um nariz que se considera demasiadamente grande, recorre a um cirurgião desta especialidade, paga e fica com o nariz desejado, no caso de uma operação de mudança de sexo, é necessário um sem número de procedimentos, exames, avaliações, peritagens, para que se chegue à conclusão de que esse indivíduo está em condições ou não de fazer essa operação. Só para se ter uma ideia, é um processo que implica pelo menos 2 anos para estar concluído, isto na melhor das hipóteses e apenas se os peritos, os homens da ciência, decidirem que essa pessoa cumpre com os critérios pré-determinados para o efeito.
Podemos ainda dar um outro exemplo, talvez um pouco mais extremo, para esta questão em particular. Refiro-me à Apotemnofilia, condição de quem tem fantasias sexuais sobre ser amputado de um ou vários membros do corpo. Algumas destas pessoas chegam ao ponto de quererem passar as suas fantasias à prática e de optarem por fazer uma operação para que lhes sejam retiradas as pernas ou os braços, porque é assim que se sentem bem consigo próprias. A questão é: deverá ser-lhes concedido este desejo? Sabemos à partida que tal operação é irreversível e que irá implicar uma série de limitações para a vida do indivíduo, por exemplo, dificuldades na obtenção de um emprego, o que fará com que provavelmente tenha que viver da assistência social; terá certamente que ter uma série de cuidados de saúde especiais que serão que serão suportados pelo Estado. Terá essa pessoa direito de optar por si própria o que fazer em relação ao seu corpo? Quem é que é “dono” do seu corpo: o próprio, o Estado, os técnicos de saúde?
O caso da Apotemnofilia pode servir-nos apenas como um exemplo – extremo talvez – da forma como se salvaguardam ou não os direitos sexuais e reprodutivos dos cidadãos e, mais do que isso, de quem os salvaguarda. Se alguns dos direitos mais básicos, como os relativos ao género, são ainda sistematicamente postos em causa, quanto mais os outros que podem ser considerados como “luxos” ou extravaganças e, logo, como secundários, já para não mencionar aqueles que, exercidos por outros, podem ir contra as nossas convicções ideológicas ou religiosas, caso do aborto?
Há que não esquecer que qualquer direito implica também um dever, dever este que implica a salvaguarda da integridade e bem-estar do outro. Direitos sexuais e reprodutivos são também direitos humanos, ainda que não estejamos sensibilizados para pensá-los enquanto tal. Está, porém, na altura de o fazer e tal é tarefa da responsabilidade de todos nós, não só técnicos de saúde, como profissionais das áreas sociais e humanas, politicos, teóricos, investigadores, homens, mulheres, cidadãos.
domingo, 9 de outubro de 2011
Os jovens portugueses e a sexualidade. Passado, presente e futuro...?
Mil novecentos e sessenta e dois foi um ano como qualquer outro. A Terra deu 365 voltas sobre o seu eixo. Três biliões, cento e trinta e seis milhões, cento e noventa e sete mil, setecentos e cinquenta e uma almas dormiram, acordaram, trabalharam, estudaram, viveram. Muitas nasceram. Muitas outras terão morrido.
Enquanto na rádio, os Beatles cantam She loves you e I want to hold your hand desenrola-se a crise dos mísseis de Cuba, a Argélia torna-se independente da França após 8 anos de lutas e a Talidomida é retirada do mercado após ter-se descoberto que provocava deformidades no desenvolvimento do feto.
Em Portugal, dá-se uma tentativa de golpe de estado em Beja e, em Lisboa, surge alguma agitação estudantil originada pela proibição das celebrações do Dia do Estudante pelo Governo, o que, por sua vez, leva à demissão de Marcelo Caetano da Reitoria da Universidade Clássica de Lisboa.
É realizado o filme "Verdes Anos" de Paulo Rocha que retrata uma certa juventude lisboeta, desesperada e oprimida. Esta película é, aliás, um dos poucos momentos em que, durante o Estado Novo, o cinema nacional se terá sintonizado com a realidade portuguesa, espelhando-a de uma forma clara e realista. A película conta-nos a história de Júlio, um rapaz de 19 anos recém chegado a Lisboa vindo da província, que começa a trabalhar como aprendiz de sapateiro. Conhece e começa a namorar Ilda, uma empregada interna numa casa particular. O namoro decorre de uma forma lenta e é Ilda quem tem as principais iniciativas de sedução.
Júlio começa aos poucos a rebelar-se com todos os que o rodeiam - com o tio que o ajudou a ir para a cidade, com o patrão e também com a Ilda. Começa a desconfiar da namorada e acaba por mata-la no final do filme, após a recusa por parte desta relativamente ao seu pedido de casamento.
Com as devidas diferenças e distâncias, esta é uma história que poderia perfeitamente ser actual. Os problemas, as paixões, os encantos e desencantos de Júlio e de Ilda são comuns aos de muitos jovens actuais. No entanto, existem algumas dimensões nas quais é possível encontrar diferenças importantes. Uma delas será certamente a da vida íntima destes jovens.
Como é sabido, a postura fortemente conservadora do Estado Novo relativamente às questões da sexualidade e do género tornavam impossível qualquer abordagem mais explícita da sexualidade no cinema e, de resto, em qualquer outro meio de comunicação social ou na vida quotidiana em geral. Nas escolas os esquemas do corpo humano eram apresentados sem os órgãos genitais e existia a política da divisão de sexos, em que rapazes e raparigas eram confinados a espaços de ensino distintos. Desta forma pretendia-se proteger crianças e adolescentes de experimentalismos considerados desnecessários e perigosos quando, na verdade, este cuidado provavelmente teria apenas como efeito de aguçar a curiosidade e o fomentar da falta de informação sobre o sexo oposto e sobre a sexualidade.
Esta divisão territorial dos indivíduos dos dois géneros traduz também, de alguma forma, aquilo que se vivia em termos das mentalidades nacionais durante este período histórico. De facto, na sociedade portuguesa pré-25 de Abril predomina uma divisão marcada entre as esferas do masculino e do feminino, que se traduz no quotidiano e que é consagrada numa legislação fortemente sexista. As mulheres deverão ser donas de casa, cuidar da vida doméstica e educar os filhos. Os homens deverão ser os responsáveis pela vida activa, pela política e pela guerra. O culto da Virgem Maria, celebrada pelo Estado Novo com a construção do santuário de Fátima, fornece às mulheres um ideal feminino de maternidade do qual se encontra ausente a sexualidade (Rodrigues, 1995). Pelo contrário, quanto aos homens, reina uma muito maior permissividade sexual.
Predominava, assim, uma situação em que toda a conjuntura social, política e cultural reforçava e mantinha um duplo padrão de moralidade sexual rígidificado. Às raparigas era esperado que apenas tivessem relações sexuais no contexto do casamento e aos rapazes que tivessem uma larga experiência sexual com diversas parceiras, independentemente do seu estado civil.
A iniciação sexual no masculino era com frequência efectuada através do recurso à prostituição, uma espécie de ritual de iniciação realizada em grupo ou conduzido pela mão do pai ou, no caso do Júlio, o anti-herói de "Os Verdes Anos", pela mão de um inglês que conhece ocasionalmente. No feminino, imperava o desconhecimento sobre a vida sexual, amiúde apenas atenuado nas vésperas nupciais pelos conselhos maternos. A regra era a de servir o marido, querendo isto dizer que a mulher deveria ser tão submissa ao nível sexual quanto o era na vida doméstica e social. O seu prazer era secundário ou mesmo indesejado.
O 25 de Abril de 1974 veio revolucionar também esta forte divisão no que respeita ao género através da abolição progressiva da legislação discriminatória e do maior acesso à informação. No entanto, é difícil determinar qual o real impacto da revolução na vida íntima dos jovens, dada a ausência de estudos sobre esta temática durante o período pós-revolucionário.
Um dos poucos indicadores que temos a este propósito, ainda que a informação que nos possa dar sobre as práticas sexuais efectivas dos jovens não seja muita, é o relativo às taxas de natalidade dos adolescentes durante esta fase. Estes dados foram obtidos a partir das estatísticas gerais da natalidade do anuário de estatística de 1976 que cobre o período compreendido entre 1966 e a data da sua publicação.
Conforme se pode verificar através destes dados, em raparigas com idades iguais ou inferiores aos 18 anos neste período de tempo, o número total de gravidezes e também a taxa percentual de gravidezes nesta altura da vida, quando comparadas com o total das gravidezes, mantém-se constante até cerca de 1973, sendo que, após essa data, os valores começam a subir de uma forma acentuada.
Parece, assim, que a revolução trouxe consigo um aumento considerável de situações de gravidez nesta fase precoce da vida. Não podemos, entretanto, determinar ao certo se estas surgem devido a um real desejo de maternidade, quiçá devido às transformações sociais que ocorrem nesta fase, ou se são, por outro lado, estas alterações e o consequente aumento da permissividade que levam a uma maior passagem ao acto ao nível sexual, sem que se tomem em consideração quaisquer cuidados contraceptivos.
Efectivamente, é só em 1984 que a lei 3/84 vem permitir o estabelecimento de consultas de Planeamento Familiar que proporcionam aos jovens a possibilidade de viverem a sua vida sexual livre de preocupações. Ainda assim, esta medida não parece ser suficiente, uma vez que as taxas de natalidade durante a adolescência irão continuar em alta ao ponto de se encontrarem, já nos anos 80 e 90, de entre as mais elevadas da Europa.
No que respeita às mentalidades, verificam-se algumas alterações, o que é compreensível se tivermos em consideração que entretanto muito mudou, por exemplo, no que respeita à situação das mulheres. Assim, numa investigação levada a cabo em 1983 pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento (Miguel & Vilar, 1987) sobre os valores e atitudes dos jovens portugueses (15-24 anos), verifica-se que a grande maioria destes (84,4%) consideram que a sexualidade é algo mais do que apenas o acto sexual, ou seja, vêm a sexualidade como uma forma de comunicação ou como uma relação global. Cerca de metade dos então inquiridos valoriza a sexualidade no âmbito do casamento (op.cit, p.85).
Quando questionados sobre a existência de uma prática sexual efectiva, verifica-se que existe uma discrepância significativa entre os resultados relativos ao sexo masculino e ao sexo feminino. Assim, são 70% dos rapazes e apenas 31% das raparigas que admitem já ter tido uma relação sexual. No entanto, estes dados devem ser contextualizados, o que se pode efectuar através da análise a outras questões deste inquérito. Assim, verificamos que são principalmente as raparigas que apresentam sentimentos de culpa mais pronunciados relativamente à actividade sexual, e que são também elas, mais do que os rapazes, que consideram importante manter algum grau de clandestinidade relativamente essa mesma actividade.
Estes dados indicam-nos que as raparigas deste período do início dos anos 80, mesmo que tivessem actividade sexual, mais dificilmente estarão dispostas a admiti-lo. Caso contrário, teremos que presumir um recurso à prostituição ainda intenso por parte dos rapazes para o início da sua actividade sexual, o que, neste período, estaria já em declínio.
Mas todas estas questões não são estanques e têm uma evolução própria. Num outro estudo realizado por Eurico de Figueiredo apenas 3 anos mais tarde do que o anterior, em 1986, verifica-se que, em relação à geração dos seus pais, os jovens apresentam uma muito maior permissividade face às relações sexuais pré-matrimoniais, em particular no caso das raparigas, e uma maior aceitação do trabalho feminino (Figueiredo, 1988). Constata-se, desta forma, uma concepção mais flexível dos papéis de género nos jovens de meados dos anos 80, em favor das mulheres, que vem atenuar o já mencionado duplo padrão de moralidade sexual, concedendo uma maior pemissividade à sexualidade das raparigas.
Este é aliás, um processo que se estende até aos dias de hoje. Desta forma, num estudo realizado ao nível nacional com jovens adultos, as diferenças na ocorrência de actividade sexual de acordo com o género são praticamente inexistentes (Nodin, 2000). Na faixa etária compreendida entre os 18 e os 25 anos verificamos que 80,5% dos rapazes já iniciou a sua vida sexual, enquanto que as raparigas se encontram a uns meros 5 pontos percentuais de diferença, com um total de 75,6% das mesmas a afirmarem já terem experiência sexual.
Diferenças consideráveis encontram-se no tipo de relação que estes jovens afirmam ter com o parceiro. Assim, os elementos do sexo masculino referem ter, em 54% dos casos um parceiro fixo e em 42,7% parceiros ocasionais, enquanto que no sexo feminino estes valores se invertem, de forma que 85,7% das raparigas afirmam ter um parceiro fixo e 6,2% das mesmas reconhecem já ter tido parceiros sexuais ocasionais.
Desta forma, se ao nível do reconhecimento de experiência sexual não encontramos grandes reflexos do duplo padrão de moralidade, tal já não é necessariamente verdade na identificação do tipo de relação que se mantém com um parceiro. A maioria das raparigas considera ter uma relação estável e muito poucas relações ocasionais e os rapazes são de opinião contrária. Provavelmente o que acontece é que a forma de avaliar a relação por ambos é diferente. Algumas das raparigas pensarão ter uma relação estável com os seus parceiros, enquanto que eles não serão da mesma opinião…
Existe aqui um outro dado que nós temos de outros estudos realizados e que convém ter em consideração. Cada vez mais, conforme nos revelam as investigações levadas a cabo nesta área, é atribuída uma especial importância à afectividade no âmbito da sexualidade. Assim, Valentim Alferes verificou que na sua amostra de estudantes universitários, 74,3% dos que não eram virgens declararam ter estado apaixonados pelo seu primeiro parceiro sexual (Alferes, 1997). De resto, em outras investigações efectuadas durante os anos 90, verifica-se algo de semelhante quando se constata que muitos jovens apenas decidem iniciar a sua actividade sexual quando encontram a “pessoa certa” (Pais, 1996).
Estes ideais relativos às relações afectivas não são, aliás, exclusivos das gerações mais novas e encontram-se também em adultos, constituindo-se como um verdadeiro novo padrão de relacionamento ao nível amoroso. Cada vez mais estas relações são consideradas como meios de alcançar a felicidade pessoal e a partilha afectiva com o parceiro. O final do amor é considerado como motivo suficiente e necessário pela maioria das pessoas para terminar a sua relação afectiva.
Por outro lado, ainda num outro estudo coordenado por José Machado Pais (1998), apenas 6% dos jovens considera necessário o casamento para que possa ocorrer um envolvimento sexual. Este dado, contrariamente ao que se crê, não é sinónimo do facto de os jovens terem, na actualidade, uma iniciação sexual mais precoce. Alguns certamente que começarão o seu percurso de descoberta da sexualidade a dois logo no início ou no período médio da adolescência, mas estes não constituem a maioria. As estatísticas oficiais indicam-nos que a idade média para a ocorrência da primeira relação sexual é, nos rapazes, de 17,4 e, nas raparigas, de 19,8 (INE, 1997).
Na verdade, o que nos mostram estes dados do Instituto Nacional de Estatística é que, comparando as idades médias de inicio da actividade sexual de indivíduos de diferentes grupos etários, verifica-se que, de há trinta anos a esta parte não têm existido grandes alterações no que respeita à referida idade, pelo menos nos rapazes.
Nas raparigas, verificou-se um ligeiro decréscimo: as mulheres agora com idades na casa dos 40 iniciaram a sua vida sexual em média quando tinham 21 anos e meio. Ou seja, na prática, as mães das adolescentes de hoje tiveram a sua primeira relação sexual apenas 2 anos mais tarde do que as suas filhas o fizeram ou farão na actualidade. Os rapazes iniciaram em média a sua actividade sexual com a mesma idade com que os seus progenitores masculinos o fizeram.
Assim, e pelo menos em aparência, os comportamentos não se alteraram de uma forma tão significativa quanto à partida poderia parecer. Ou será que estas alterações são também qualitativas e não apenas quantitativas? Alguns indicadores parecem apontar nesse sentido. Verifica-se, por exemplo, que os jovens actuais estão mais dispostos a explorarem diferentes formas de experimentação sexual, que vão bem além do coito vaginal. De facto, tudo indica que práticas outrora minoritárias, como sejam o sexo oral, o sexo anal, as experiências sexuais em grupo, as práticas homossexuais e, em menor escala, as de sadomasoquismo, façam hoje parte do menu ao qual os jovens recorrem na sua vida íntima.
Falamos, mais especificamente nestes casos, de jovens adultos, ou seja, de indivíduos que já estão numa fase do final da adolescência e de entrada na vida adulta, para os quais estas práticas surgem de uma forma complementar às mais convencionais e não como formas exclusivas de comportamento sexual.
Um dos factores que poderá estar na base deste tipo de alterações do conteúdo das relações íntimas dos jovens é o maior acesso a materiais sexuais explícitos. No final da década de 1980, a transmissão do filme "O Império dos Sentidos" foi motivo de grande polémica nacional. Altas autoridades da moral e dos bons costumes deram o seu parecer sobre tal exposição de actos sexuais explícitos. Promoveram-se debates dobre o assunto da sexualidade na televisão e sobre a liberdade de imprensa. No início do novo século (mais precisamente em 2001), o mesmo filme voltou a ser transmitido no 2.º canal da RTP e muito poucas pessoas terão dado conta desse facto, ao contrário desse outro e agitado episódio. Até porque filmes de conteúdos bastante mais explícitos começaram a estar disponíveis noutros canais, de resto sem que qualquer tipo de polémica se lhes tivesse estado associada.
De facto, o fácil acesso que os jovens têm actualmente à pornografia, não só através da televisão por cabo, como também através da Internet, veio dar-lhes, desde idades precoces, uma ideia muito mais clara sobre o que é uma relação sexual entre duas - ou mais - pessoas. Enquanto que há apenas uns anos atrás aquilo que se sabia nesta área decorria da imaginação, das conversas entre amigos e ainda das cenas mais ou menos claras que surgiam na televisão e no cinema, qualquer pessoa tem hoje a possibilidade de enriquecer o seu repertório sexual através do visionamento destes filmes e sites da Internet. Certamente que essa situação leva a uma maior procura de experimentação sexual, por curiosidade e busca de novas sensações.
Esta situação certamente que não é alheia ao facto de, a par da importância atribuída à dimensão afectiva da sexualidade a que já nos referimos, encontrarmos entre os jovens da actualidade a valorização da vertente erótica da experiência sexual (Pais, 1998). A busca do prazer em detrimento de outras dimensões da sexualidade, no que se poderá intitular de hedonismo erótico ou sexual, surge hoje em dia como um valor que pode efectivamente explicar o investimento em actividades sexuais outroura minoritárias. Tudo se faz em prol do prazer, tudo se experimenta, tudo é permitido.
Estes são dados importantes na nossa missão porventura ingrata, mas tentadora, de traçar algumas perspectivas de futuro quanto aos hábitos sexuais dos jovens portugueses. Se a Futurologia não é, de facto, uma ciência de pleno direito temos algumas alternativas, arriscadas, sem dúvida, mas que nospermitem traçar cenários. Tal como postulado por Eurico de Figueiredo (1988), os valores e as atitudes de uma geração enquanto jovem são, de alguma forma, um prenúncio importante sobre o que irão ser as mesmas num futuro mais ou menos próximo.
A globalização, mais do que a massificação do sexo, que se manifesta na grande disponibilidade de informação e de modelos alternativos de comportamento e posturas sexuais, parece já estar a trazer aos jovens um novo alento na exploração de continentes ainda virgens. Tudo indica que o mesmo irá continuar a acontecer, de formas ainda por nós desconhecidas, no futuro. No entanto, se os dados relativos às novas permissividades sexuais parecem indicar que, pelo menos num futuro próximo, os jovens irão procurar explorar o prazer erótico de formas impensáveis pelos seus pais, outros indicadores não nos parecem tão optimistas, nomeadamente no que à saúde sexual destes jovens diz respeito.
Assim, não existem sinais de que as elevadas taxas de infecção por ITS’s (Infecções Transmitidas Sexualmente) e de gravidez na adolescência venham a declinar num futuro próximo. E não o farão enquanto não existir uma política consistente, integrada e abrangente de prevenção ao nível da sexualidade dos jovens.
A Educação Sexual que por fim, após vários anos de espera, inicia a sua introdução nas escolas, fa-lo-á, certamente de uma forma lenta, mercê das resistências ideológicas dos responsáveis escolares, dos docentes e mesmo dos pais. Espera-se, no entanto, que a mais longo prazo possa começar a ter o seu efeito, abrangendo a maioria dos jovens portugueses e possibilitando escolhas responsáveis e posturas esclarecidas.
A população universitária portuguesa é constituída actualmente por cerca de 80% de alunos do sexo feminino. A progressiva integração destas raparigas, futuras mulheres, na vida social e profissional irá ter consequências a diversos níveis. Um dos efeitos prováveis será o esbatimento das barreiras do género, do qual começam já a existir alguns prenúncios. Para já, os homens, começam a estar mais preocupados com o prazer das suas parceiras - descobriu-se, finalmente!, que uma proporção considerável de mulheres não estava satisfeita com a sua vida sexual. No futuro, é possível que os homens, a começar na adolescência, descubram novas angústias relacionadas com o poder que vão ver a escapar-se-lhes das mãos para irem parar a mãos femininas. Porém, é possível que, com o tempo comecem também a assimilar e a tirar partido das vantagens de um mundo não tão rígido em termos dos papeis de género.
O futuro ao futuro pertence, o que é uma forma simpática de dizer que de facto não sabemos se o que aqui conjecturamos se irá concretizar. Podemos apenas traçar cenários e esperar o melhor, não esquecendo, no entanto, que a nós também cabe alguma responsabilidade enquanto adultos e educadores dos jovens de hoje e de amanhã. É a todos nós também que compete intervir, formar, educar, para que os melhores e não os piores cenários se concretizem.
Referências Bibliográficas
Alferes, V. (1997). Encenações e comportamentos sexuais. Para uma psicologia social da sexualidade. Porto: Afrontamento.
Figueiredo, E. (1988). Portugal – Os próximos 20 anos. II Vol. "Conflito de gerações – Conflito de valores". Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Instituto Nacional de Estatística (1976). Anuário de estatística. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística.
Instituto Nacional de Estatística (1997). Inquérito á fecundidade e à família. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística.
Miguel, N., & Vilar, D. (1987). Situação, problemas e perspectivas da juventude em Portugal – Afectividade e sexualidade no novo contexto social e cultural. Cadernos “Juventude. Lisboa: Instituto de Estudos para o Desenvolvimento.
Nodin, N. (2000). Os jovens portugueses e a sexualidade em finais do século XX. Lisboa: Associação para o Planeamento da Família.
Pais, J. M. (1996). Sexualidade. In Jovens de hoje e de aqui (pp.195-221). Cadernos Estudos Locais. Loures: Dept. Sócio-Cultural, C. M. Loures.
Ramos, J. L. (1989). Dicionário do cinema português 1962-1988. Lisboa: Caminho.
Rodrigues, J. A. (1995). Continuidade e mudança nos papéis das mulheres portuguesas urbanas. O aparecimento de novas estruturas familiares. Lisboa: Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres.
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