Consideramos hoje a infância como o período que ocorre entre o nascimento e a puberdade (10/12 anos). No entanto, nem sempre foi assim e, até ao século XVII, a infância não era sequer reconhecida como um período individualizado da vida humana (Badinter, 1980; Ariès, 1988; Strecht, 2001). Sob esse enfoque, a criança era vista apenas como um pequeno adulto, não recebendo educação específica e tendo que, precocemente, conviver com o trabalho e corn as preocupações próprias dos adultos. Esses factos, ligados à sociogénese da infância, aparecem com muita clareza através do estudo do vestuário infantil típico dessas épocas, bem como na análise das expectativas acerca das crianças das diversas classes sociais.
A partir desse século, com o empobrecimento da nobreza e com a ascensão da burguesia, ocorrem vários movimentos humanistas, passando a criança a ser exaltada pela sua pureza, dentro de todo um contexto social de revalorização. Nessa época, compreendia-se a prática do sexo como actividade pecaminosa e não merecedora de aceitação divina e social. As crianças, por não terem os genitais externos ainda desenvolvidos e por se considerar que não praticavam actividades ?sexuais?, estavam em estado de pureza, isentas, assim, de qualquer ?culpa?. Ainda sob esse ponto de vista, acreditava-se que essa ?inocência? era proveniente da ignorância sobre as questões relacionadas com a sexualidade (Ariès, 1988; Pais, 1987).
A partir desses conceitos, foi valorizado um tipo de ?educação? que ao mesmo tempo mantinha as crianças (e os adolescentes) sem informação e impunha-lhes um padrão que reprimia determinadas expressões da sexualidade. Visando mantê-las afastadas da curiosidade sobre os comportamentos sexuais. Os resquícios sociais de tais padrões educacionais continuam, ainda hoje, em evidncia na angústia que a maioria dos adultos sofre face às manifestações da sexualidade infantil (Ariès, 1988; Pais, 1987).
No entanto, ao longo do séc. XX assistiu-se a importantes mudanças no que se refere aos padrões socialmente aceites para as diferentes expressões da sexualidade. Embora, de uma maneira geral, exista, ainda, um duplo padrão relativamente aos dois sexos, a sexualidade tem vindo, gradualmente, a ser melhor compreendida, deixando de ser, quase sempre, exercida sem permissão social e usualmente condenada a clandestinidade (Lopez, 1999).
Grande parte desta mudança foi influenciada pelas ideias de Freud, ao afirmar a existência da sexualidade na infância, correlacionando-a com as fases de desenvolvimento da criança. As suas declarações foram muito contestadas pela sociedade da época, que relacionava ainda a ausência de sexualidade a pureza e a inocência. Nessa concepção, era virtuoso todo aquele que negasse a satisfação dos seus próprios desejos, especialmente quando a razão não os autorizava. Freud ousou declarar que todos praticávamos sexo e que ele estava inserido na natureza humana desde o nascimento, tratando a questão não como um ?pecado?, mas como causa de sentimentos de culpa e, portanto, de algumas perturbações emocionais (Freud, 1905).
Hoje, admitimos que a sexualidade se manifesta desde o início da vida e que se desenvolve, acompanhando o desenvolvimento geral do indivíduo e integrada no seu bem-estar biopsicossocial (Lopez & Fuertes, 1999). Sabemos que, independentemente do ciclo de vida em que estejamos, somos sexuados e temos manifestações e interesses sexuais. Sabemos, igualmente, que a sexualidade muda ao longo da vida e que cada idade tem as suas manifestações próprias, admitindo várias formas de expressão consoante os indivíduos (Félix. 1995).
Se a sexualidade infantil tem muitos aspectos semelhantes à dos adultos (procura de prazer e de comunicação; conhecimento do seu corpo e do corpo dos outros), tem, no entanto, características específicas, tais como:
1. Os órgãos genitais estão pouco desenvolvidos e os caracteres sexuais secundários iniciam o seu desenvolvimento apenas no final da infância.
2. A quantidade de hormonas sexuais em circulação no sangue é também muito pequena, o que vai interferir na pulsão sexual, que é diminuta.
3. Por razões hormonais, o prazer sexual é difuso.
4. Os estímulos externos não têm significado erótico. Na infância, a atracção por outras pessoas é mais uma atracção afectiva que sexual.
5. A orientação do desejo (homossexual, heterossexual ou bissexual) não está consolidada; esta acontecerá somente na adolescência.
6. É mais dificil às crianças fazer a distinção entre os desejos e sentimentos especificamente sexuais e os desejos e sentimentos afectivos.
Por último, não será demais realçar que as actividades sexuais das crianças se baseiam em motivações muito diferentes das dos adultos. O que, na maioria das vezes, as crianças desejam é imitar os adultos, conhecer o seu corpo e o dos outros. Assim se explicam muitos dos jogos de conteúdo sexual que se realizam na infância, quer seja o brincar ?aos médicos?, quer aos ?pais e mães?.
Na faixa etária entre os 2 e os 6 anos a actividade sexual é essencialmente lúdica, exploratória e informativa e assenta no auto-erotismo.
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