A questão da homossexualidade não é nova mas foi principalmente na última década que se verificou um crescente interesse no seu estudo e análise. E não é por acaso que isso acontece, nas sociedades ocidentais - e falamos apenas delas - neste dado momento concreto. O emergir da discussão sobre os direitos individuais e o maior respeito pelas determinações e orientações de cada um, a introdução da questão "HIV", bem como os dados científicos baseados na evidência, permitem debater este assunto com maior lucidez, objectividade e sem tantos preconceitos como os que, nas sociedades ditas "ocidentais", impediram durante muito tempo uma leitura imparcial e rigorosa da questão.
Como definir "homossexualidade"?
Provavelmente, cada Leitor terá a sua própria definição do que é a homossexualidade, se é apenas dizer que uma pessoa do mesmo sexo é bonita ou interessante, ou assumir publicamente a sua preferência por um companheiro do mesmo género. E aqui convém dizer que falamos de ?género? e não de ?sexo?, que são coisas ligeiramente diferentes, dado que têm a ver com o papel e a representação psicológica e social, e não exclusivamente com a anatomia.
Em todo o caso, pode-se designar homossexualidade como a atracção sexual, emocional e afectiva de pessoas de um género por pessoas do mesmo género, como parte de um continuum da expressão sexual. Muitos adolescentes têm relações homossexuais como parte da sua aprendizagem, experimentação e conhecimento do corpo. Por outro lado, muitos dos homens e mulheres homossexuais tiveram as suas primeiras experiências durante a adolescência, tendo sido no final desta que as suas determinações e opções se consolidaram. De qualquer forma, este tipo de relações nesta idade não tem qualquer ?valor predictivo?.
Os porquês da discriminação
Se sempre existiu homossexualidade nas sociedades humanas, poder-se-á perguntar porquê a reacção de rejeição tão veemente (em algumas sociedades, designadamente as ocidentais, repito, dado que esta questão é pacífica em muitas regiões do mundo). Bom. Sem querer esgotar o assunto, valerá a pena referir duas ou três coisas: por razões que a antropologia facilmente explica, associadas ao desígnio de contribuir "a todo o custo" para a continuação da espécie, esta forma de orientação sexual foi quase sempre reprimida ou pelo menos olhada de esguelha - como, aliás, o era o facto de uma mulher não conseguir ter filhos, o que levava inclusivamente a ser expulsa da tribo ou do clã.
Por outro lado, não se pode ignorar a contribuição decisiva de praticamente todas as religiões e as condenações e culpabilizações inerentes a quem cometia esse "pecado". Finalmente, como os homossexuais representam uma minoria, a maioria que, durante milénios, quis equiparar a verdade universal às suas "verdades" próprias, exerceu essa ditadura que passava pela humilhação e exclusão (e até erradicação) de quem fosse diferente. E ser diferente num assunto "tabú" ainda é mais complicado e gera atitudes mais repulsivamente agressivas.
O mundo está (felizmente) a mudar
Com o evoluir das sociedades, quando hoje em dia não ter filhos já não lança ninguém no opróbrio, quando as liberdades, direitos e garantias individuais são promovidas e não apenas as da comunidade como um todo, a questão da homossexualidade, tal como muitas outras, tornou-se objecto de debate e de discussão. E se, por um lado, ainda se observam frequentemente atitudes segregacionistas e de exclusão (algumas vezes de auto-exclusão), é crescente a tolerância e mesmo a normalidade com que o assunto é felizmente encarado. Para isso tem contribuído a afirmação pública de pessoas e individualidades de várias áreas da ciência e da cultura relativamente ao facto de serem homossexuais. Há uns anos não se admitiria que, por exemplo, um ministro de um governo fosse assumidamente "gay", o admitisse publicamente e continuasse a ser ministro. Hoje já o é, em alguns países.
Não se trata portanto de dizer paternalisticamente que "o que cada um faz é da sua conta" e que "temos que ser tolerantes", mas francamente, de muito mais: o de entender que a sociedade é composta por indivíduos diferentes, na cor, no tamanho, nas capacidades, na orientações sexuais e nas opções e estilos de vida. E se os determinantes dessas diferenças são genéticos, ambientais ou um misto dos dois, dependerá muito do tema e do que a ciência consegue (ou não) adiantar sobre o facto. E consegue muito pouco?
De facto, ainda há não mais do que vinte anos, a homossexualidade era definida como uma "doença mental" por Academias de Psiquiatria tidas como cientificamente irreprováveis - afinal provaram que não eram tão irreprováveis como isso? e o que é confrangedor é ver que, ainda hoje, se assiste a classificações deste tipo.
A homossexualidade não é uma questão de escolha
Cada vez mais se entende que a homossexualidade, como uma das possíveis orientações sexuais, não é uma questão de escolha, ou seja, não se escolhe ser homo, hetero ou bissexual. É-se, apenas e tão só, embora permaneçam desconhecidos os determinantes dessa orientação. O que já pertence ao capítulo das opções pessoais é a forma de comportamento e os estilos de vida que as pessoas, homossexuais (ou não) adoptam, designadamente o tipo de experimentação sexual e o viver (ou não) uma vida com relações homossexuais assumidas. Por outro lado, é bom que fique claro que as experiências homossexuais, masculinas e femininas, durante a adolescência, não são, para a larga maioria dos jovens, um factor predictivo da sua orientação futura.
No que se refere à prevalência desta situação, embora alguns relatórios tenham indicado estimativas, em adultos, de cerca de 4% para os homens e 2% para as mulheres, desconhece-se a taxa na adolescência e estas prevalências variam enormemente de região para região e de comunidade para comunidade, muito dependente do grau de aceitação social e até político.
As mesmas necessidades e padrões de desenvolvimento
Os adolescentes homossexuais partilham os mesmos padrões de desenvolvimento dos seus congéneres heterossexuais, designadamente o estabelecimento de uma identidade sexual, a decisão sobre os comportamentos, a gestão dos afectos, as opções relativas a ter ou não relações, de que tipo e protegidas ou não, etc. Os riscos que correm, relativamente às doenças de transmissão sexual, como a infecção a HIV ou outras, exigem as mesmas estratégias de educação para a saúde. Assim, os cuidados antecipatórios que se debatem com qualquer adolescente não devem excluir nenhum, independentemente das suas opções e orientações que, como se afirmou, podem até não querer dizer coisa nenhuma em relação ao futuro. Por outro lado, e como já referimos, sendo uma minoria na sociedade os homossexuais estão sujeitos a uma pressão social e a um "empurramento para a clandestinidade" que pode trazer um menor acesso aos serviços, um maior desconhecimento da informação credível e de rigor e, também, um aumento dos problemas psicológicos e sociais, numa adolescência já pontuada por dúvidas, angústias e "duelos" entre modelos de vida, de comportamentos, de relações e de concepções de sociedade.
Problemas a vários níveis?
Os problemas psicossociais derivam fundamentalmente do fenómeno de exclusão, vergonha (é preciso ver que ainda vivemos em sociedades onde os conceitos religiosos, mesmo nos não praticantes e não crentes, tem um peso extraordinário em pequenas coisas do dia-a-dia, mesmo que já não nas grandes decisões e opções), estigmatização social, hostilidade, etc. Aliás, não é por acaso que o risco de suicídio é muito superior para os adolescentes homossexuais, mesmo descontando outros factores do contexto social que possam também ser geradores de situações depressivas.
Muitas vezes, o comportamento exibicionista, associado a uma vontade de afirmar que "também se faz parte da sociedade", afasta e segrega mais as pessoas - mas é paralelo e "tão sem graça" como o comportamento exibicionista de um par heterossexual.
É fundamental, assim, ter uma atitude de instilar segurança à medida que os adolescentes formam a sua identidade sexual, sem rotulações precoces e imediatistas. Há uma evolução no processo de orientação sexual e, tal como para os adolescentes heterossexuais, não podemos confundir relações sexuais com sexualidade. A questão dos afectos é fundamental, dado que a expressão desses mesmos afectos é socialmente mal vista e pode limitar os impulsos amorosos que, se fosse o caso de um par heterossexual, até poderia ser motivo para uma fotografia ou um cartaz socialmente e esteticamente (e politicamente) "correcto".
A família e a sociedade
Não é apenas a nível da sociedade que um adolescente homossexual encontra problemas, pelo contrário. A nível da família e do grupo de amigos as atitudes hostis e de incompreensão, ou de humilhação e até agressividade podem ser a regra. O desprezo a que podem ser votados leva, muitas vezes, a sofrerem assédios, ataques e outros tipos de situações, desde "partidinhas dos colegas" e brincadeiras de mau gosto até violência inter-pares. Por outro lado, a estigmatização e os preconceitos podem impedir uma socialização completa, com repercussões no desenvolvimento (a todos os níveis), na escolaridade e no sucesso educativo, e na integração laboral, conduzindo a maior secretismo e exclusão. Não são raros os empregos onde os homossexuais têm que esconder as suas opções afectivas mas, por outro lado, "aguentar" todas as anedotas e piadas relativas às pessoas que se sentem atraídas por outra do mesmo sexo. Todos estes factores levam a que os homossexuais, principalmente os masculinos, sejam mais facilmente "conduzidos" para estilos de vida e opções de maior risco, marginalização e, no fundo, menor realização pessoal, profissional e falhas no seu bem-estar.
Os pais, por outro lado, sentem-se quase sempre frustrados e muitos "nem querem ouvir falar do assunto", fechando as portas ao diálogo e recusando aos filhos adolescentes direitos fundamentais: o da partilha dos seus problemas e o de poderem assumir a sua orientação sem serem por isso penalizados ou até mesmo expulsos do lar. É por isso que é necessário desdramatizar o assunto e falar abertamente nele - afinal, há tão pouco tempo uma coisa tão diferente e tão menor como uma criança ter piolhos era ainda escondida e geradora de vergonha nas famílias?
Temos que evoluír para uma cidadania plena? É normal na adolescência haver uma certa "ambiguidade" quanto à orientação sexual, resultante não apenas da necessidade de experimentação e de condutas de ensaio, como das várias hipóteses afectivas que se colocam a qualquer jovem. A amizade, por exemplo, pode ser confundida pelo próprio com amor, sobretudo para quem nunca experimentou certas sensações e sentimentos. O que é importante é que os jovens não se sintam culpabilizados ou pressionados, e que tenham acesso às fontes de informação sobre sexualidade, relações sexuais, planeamento familiar, doenças de transmissão sexual, ou seja, exactamente a mesma informação que todos os outros jovens.
As sociedades estão sempre em evolução - veja-se a diversidade de culturas, hábitos e conceitos que existem no mundo (como já afirmei, convém não reduzir o mundo ao que se faz e vive nos países "ocidentais"). Cada sociedade define as suas regras, certas ou erradas, conforme o sentir e o pulsar do momento. Com a rapidez da evolução tecnológica e da comunicação, também os valores e regras se alteram com maior facilidade e em períodos de tempo mais curtos. A discussão dos problemas, aberta e directa, como acontece nas democracias, permite acabar com tabús e situações injustas e de segregação.
A homossexualidade é um dos assuntos que, certamente, sofrerá uma evolução nos tempos mais próximos, no sentido de desdramatizar e de aceitar que nem todas as pessoas têm que ter as mesmas opções, sejam elas determinadas por condicionantes genéticos, ambientais, educativos, sociais ou quaisquer outros. Viver numa sociedade que aceita a diferença é uma forma de promover a cidadania e os direitos individuais e colectivos.
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