terça-feira, 19 de março de 2013

Os sentidos do sexo


Desde o primeiro contacto visual até ao clímax sensorial que designamos por orgasmo, a vista, o paladar, o ouvido, o olfacto e o tacto desempenham o seu papel na sexualidade humana. Nas páginas seguintes, poderá ver e saborear os matizes que cada sentido confere à experiência erótica, escutará como foram interpretados, ao longo da história, pelas vozes mais respeitadas da cultura, da filosofias ou da religião, terá um cheirinho das últimas descobertas científicas sobre a percepção humana na intimidade e sentirá o prazer de aumentar os seus conhecimentos sobre um tema que interessa a todos os homens e mulheres.

Os sentidos do sexo
A relação do casal, da sedução ao clímax, é modulada pelos instintos básicos, que obedecem às ordens do império dos sentidos.

Os sentidos são os mecanismos fisiológicos que permitem ao ser vivo conhecer e interagir com o meio que o rodeia. Todas as coisas, de uma tempestade a um torrão de açúcar, possuem formas próprias, apresentam texturas específicas, sabem de determinada maneira, emitem sons diferenciados e possuem um cheiro próprio. Todavia, a percepção desses fenómenos não é universal. Em primeiro lugar, as características que compõem os objectos são distinguidas por nós através da consciência, que é o que nos serve para assumir aquilo que não somos e, por conseguinte, o que somos.

Depois, essas propriedades são interpretadas pela subjectividade: um lírio não apresenta as mesmas cores para uma abelha ou um ser humano, nem um maori terá o mesmo conceito de mau odor de um ocidental. De uma sensação (o calor), passamos para uma avaliação (“tenho calor”) e, finalmente, para uma apreciação (“Este calor vai dar cabo de mim!”). Os sentidos dependem da cultura e da ideologia.

Os considerandos fisiológicos que antecedem o nosso juízo sobre a realidade têm sido classificados, tradicionalmente, por vista, olfacto, gosto, ouvido e tacto. Segundo um provérbio judeu, quando nos oferecem duas possibilidades, escolhemos sempre a terceira, pelo que não se tardou a procurar um sexto sentido. No início, essa faculdade suplementar foi identificada com a intuição (em especial a feminina, em época de reivindicação do género), até que a invasão do paranormal obrigou a redefini-la como percepção extrassensorial; uma alínea para falar em sentido para além dos sentidos. Actualmente, os cientistas não chegam a um consenso sobre a quantidade exacta de dispositivos biológicos de que dispomos para nos informarem sobre o mundo.

Independentemente de todas as pesquisas, é interessante constatar que a distribuição por cinco produziu de imediato uma qualificação moral acessória, que ainda subsiste. As faculdades que nos permitiam manter a devida distância (o ouvido e a vista) passaram a ser consideradas nobres, enquanto aquelas que exigem proximidade (o gosto, o olfacto e o tacto) foram classificadas como inferiores.

Continuamos a observar a vigência desta divisão na mais sublime das expressões humanas. Uma pintura ou uma escultura podem ser arte, do mesmo modo que a música, mas torna-se difícil que um vinho, uma fragrância ou uma textura consigam entrada no Olimpo da estética. A intelecção, o profundo e o transcendente não necessitam de farejar, tocar ou saborear. Desde Aristipo de Cirene (435–350 a.C.), de quem se dizia que, antes de se dirigir à ágora, se perfumava “como uma mulher”, poucos filósofos desbarataram o seu tempo nesses mesteres, e muito menos se preocuparam em reivindicar uma filosofia sensível que comesse, beijasse ou cheirasse.

Será que algum exercício dos que definem a nossa condição de seres humanos sociais exige aplicar os cinco sentidos? O raciocínio não, nem a linguagem: podemos manter uma conversa com recurso à vista, ao ouvido e, talvez, ao olfacto; do tacto, o máximo que experimentaremos será o contacto da mão quando a estendemos para demonstrar que não estamos armados. E a agressividade? Ora, nem sequer numa briga de bairro se sente a falta do gosto. Apenas interagir sexualmente exige a coordenação inteligente e harmoniosa de todos os sentidos. Ora vamos, como contam que dizia Jack, o Estripador, por partes…


Vista: Entra pelos olhos
Os estímulos visuais activam o desejo nas primeiras fases do encontro sexual. Porém, à medida que se encurtam as distâncias,  o sentido tradicionalmente associado à moral e ao conhecimento poderá mesmo constituir um estorvo.

O teólogo renascentista Nicolau de Cusa (1401–1464) atribuiu a Deus um olho perfeitamente esférico, que podia voltar-se em todas as direcções. Os ícones bizantinos representam Cristo numa perspectiva diferente da ocidental: as linhas de fuga inversas produzem a sensação de que não somos nós que olhamos o quadro, mas ele que nos observa. Esses olhos são também excessivamente grandes sob sobrancelhas arqueadas, o que intensifica o efeito. Por sua vez, a iconografia românica deixou-nos imagens sagradas cobertas de órgãos visuais por todo o lado (heterotópicos).

Todavia, para além da pretensão moralizante e culpabilizadora que se deduz da máxima “Deus vigia-te”, residia a vontade de manifestar que o Ser Supremo tudo sabe, pois sempre associámos a capacidade visual à compreensão. “Não vês?” equivale a perguntar “Não entendes?”, enquanto exclamar “Estás cego!” implica anunciar que o nosso interlocutor não tem capacidade para perceber.

Pelos olhos, além do mais, acede-se à alma. Por isso, as moedas que acompanhavam os mortos para pagar ao psicopompo (a figura mítica que conduz os defuntos para o Além) eram colocadas sobre as pálpebras fechadas. De igual modo, o mau-olhado (o olhar de um zarolho, para alguns) opera no imaginário supersticioso um efeito de magia imitativa, segundo a qual a semelhança produz a semelhança. Assim, um olhar enviesado (uma alma enviesada) desencadeia tristezas e desgraças.

Contudo, se é verdade que equiparamos a vista ao entendimento, o que significam, nesse caso, expressões como “deixar-se cegar” ou “pôr os olhos em alvo”? Ora, ambas (e aqui entramos em terreno sexual) servem para nos acusar de termos esquecido, por nos entregarmos ao mundo sensível, a percepção da moralidade; indicam que perdemos de vista a virtude. As sagradas normas do pudor sexual exigem ver com olhar casto: que o diga o pobre Acteon, devorado pelos seus próprios cães após ter visto, involuntariamente, a deusa Artemisa sem roupa. Um castigo semelhante foi imposto a Tirésias, que ficou cego após contemplar o corpo da deusa Atena.

Apesar do seu prestígio, o certo é que o sentido da vista, pela dificuldade de funcionar a uma distância muito curta, não costuma ser o que mais sobrecarregamos de trabalho nos nossos lúbricos afazeres. Das cinco fases que se observam na resposta sexual humana (desejo, excitação, planalto, orgasmo e resolução), apenas costuma intervir nas duas primeiras, e torna-se inútil (ou mesmo inconveniente) nas etapas seguintes.

Ao longo da primeira fase, a do desejo, a vista procura geralmente a simetria, de acordo com alguns especialistas. Um eixo imaginário dividiria em duas metades idênticas o nariz, os lábios, os seios e as nádegas. Semelhante teoria obedece a uma orientação de tipo naturalista, propensa a acreditar que o nosso desejo é activado pelo afã reprodutivo; porém, os seres humanos são tão abençoadamente complexos que atribuem valor a elementos visuais de vastíssimo espectro.

Na fase de excitação, o olhar vira-se mais para o pormenor e o gesto: os genitais, uma boca que se entreabre, os nós dos dedos, a transpiração, os dedos dos pés... Depois, em especial durante o orgasmo, a vista desvanece, muito embora os olhos permaneçam abertos. Ao contrário do que se costuma pensar, o clímax sexual é a emoção mais individualista que existe: ninguém irá saber nunca como eu a vivo, ninguém participará nela, por mais que nos empenhemos os dois em tentar sincronizar-nos. Esse acto de extraordinário recolhimento exige uma introversão total; é a rejubilante concretização de estar infinitamente sozinho consigo próprio. Se há algo de transcendente na nossa existência sensível, produz-se nesse momento. O orgasmo cego que se torna visão e que nos olha.

“Eu sou porque Vós me observais”, afirmava o já citado teólogo Nicolau de Cusa após a sua visão mística. E é verdade. Podemos crer... de olhos fechados.

Não é apenas a nossa moral mítico-religiosa que castiga quem utiliza sexualmente, de modo incorrecto, o sentido da vista, assim como a freudiana ou lacaniana pulsão escópica, isto é, o desejo irreprimível de olhar e de completar aquilo que não se vê. Na sua bíblia particular (a quarta edição do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais, DSM-IV), a psiquiatria trata o voyeurismo como uma parafilia, inserida no apartado genérico dos Distúrbios Sexuais e de Identidade Sexual.

Aquele que inicia e finaliza o uso da sua condição sexuada na contemplação (e não na convencional sequência que vai dos preliminares ao coito) deverá ter, segundo este critério médico, a vista obscurecida. “A primeira vez que vi uma mulher nua, julguei que se tratava de um erro”, disse Woody Allen. Aqueles que julgam um desvio alguém satisfazer-se simplesmente através do olhar poderão, igualmente, estar a induzir em erro ao classificá-lo como tal.

Se a simples observação é mal vista pelo sexo oficial, recriar-se com algo específico possui ainda pior fama. Assim, atribuímos um nome aos que gostam de ver pessoas adormecidas (praticam a hipnofilia), a quem se excita ao ver o parceiro enquanto se deita com outro (candaulismo), aos que tiram prazer do coito alheio (alopelia) e aos casais que culminam a sua interacção sexual com a visualização da nudez de um terceiro (aloerastia).




Paladar: O teu sabor
O ideal de uma relação erótica é fundir-se com o outro; por outras palavras, comerem-se mutuamente. Com efeito, o sexo possui algo de antropofagia, como demonstra a moda do vampirismo no cinema e a sua carga erótica.

O célebre conto de Charles Perrault acaba por não explicar de que modo o libertino lobo pretendia alambazar-se com a inocente Capuchinho Vermelho; a qual, possivelmente, lhe pareceria boa como o milho. No nosso quotidiano, as metáforas que relacionam a alimentação e, por extensão, o sentido do gosto com o sexo são múltiplas. Não só as que se referem a acções como, também, as que associam partes do corpo com viandas. De facto, textos tão insuspeitos como a Bíblia contêm passagens que jogam com essa ambivalência erótico-gastronómica dos significados: “Mel virgem é o que destilam os teus lábios, minha amada. Há mel e leite sob a tua língua” (Cântico dos Cânticos, capítulo IV). Espero que ninguém se escandalize com esta ingénua associação que louva o gosto de um dos livros sapienciais do Antigo Testamento, pois o próprio texto pode ir bastante mais longe nas suas sumarentas descrições: “O meu amado meteu a mão pela racha, e foi por ela que estremeceram as minhas entranhas” (capítulo V). O que será a racha? Teremos de convocar um concílio...

O sexo visto como acto antropófago foi alvo de análise por múltiplos estudiosos. Para o francês Claude Lévi-Strauss (1908–2009), antropólogo e pai do estruturalismo, não era mais do que uma forma de sexualidade alimentar. Os tupinambás do Brasil, por exemplo, celebravam com os seus convidados um ritual concupiscente em que estes se deitavam com as suas mulheres, o qual culminava, como nos rituais dionisíacos, com a ingestão do convidado. De acordo com esta visão, o máximo prazer não provém do orgasmo, mas da comunhão com o parceiro por desgustação. Era essa a maneira de encetar uma relação praticada pelo tristemente célebre Armin Meiwes, o “Canibal de Rotemburgo”. Após marcar um encontro pela internet, Meiwes esquartejou e deu conta de um engenheiro de Berlim, com o consentimento do próprio. Sigmund Freud também encontrou uma relação entre comida, gosto e sexo. Segundo o psicanalista vienense, o bebé satisfaz instintivamente, enquanto mama, dois desejos primários ainda indiferenciados: o da alimentação e o do sexo. 

O enraizamento do conceito que associa a antropofagia a uma máxima integração com o parceiro, assim como o poder degustá-lo antes da união num só corpo, manifesta-se no êxito literário-cinematográfico do vampirismo. Que outra coisa é vampirizar alguém senão manter uma particular e transcendente relação sexual com o outro?  Primeiro, é a mordidela...  ou deveríamos dizer o orgasmo? Basta observar o rosto de Gary Oldman quando a amada, apesar das reticências, se deixa morder pelo actor na versão de Drácula realizada em 1992 por Coppola. Depois, e graças ao aperitivo, a criatura das trevas irá saborear o sangue: constitui o hálito vital, além de fluido oculto, como o sémen ou a saliva. Conseguirá, desse modo, a conversão eterna do outro naquilo que é.

Além disso, o gosto constitui, a par do olfacto, um extraordinário aferidor bioquímico de compatibilidades. Por isso, e para saber se convém que avancemos mais, iniciamos os nossos encontros concupiscentes com um beijo intenso. Através da língua, identificamos informação sobre a predisposição do beijado para coabitar sexualmente connosco, assim como pormenores sobre o seu estado de saúde, os seus receios... Serve também para explicar a razão pela qual as crianças, no seu ingénuo afã para entender os objectos, os levam à boca. Seja como for, o gosto (talvez mais como detector bioquímico do que como gourmet qualificado, embora haja sabores raros que dificilmente descobriremos fora da interacção sexual) é um grande aliado e confessor da líbido. Definitivamente, um actor fundamental para que possamos, uma vez terminado o encontro íntimo, recordá-lo com gosto.

Outro elemento significativo da relação que o sexo mantém com o sentido do gosto pode ser encontrado nessa antiga enteléquia dos afrodisíacos. Até ao aparecimento dos actuais suplementos de testosterona ou do Viagra, a procura de uma substância que pudesse acender a líbido quando se quisesse já fora empreendida por inúmeros alquimistas, bruxos e charlatães. Dos filtros de amor às ostras, a humanidade sempre procurou provocar, com recurso a um complemento, aquilo que apenas o desejo pode desencadear. Todavia, as poções mágicas mostravam-se renitentes.

Socorriam-se muitas vezes da associação, em termos de  semelhança física, com os genitais. É o caso das ostras, dos percebes, da baunilha (etimologicamente, “vagina”) ou do chifre de rinoceronte. Outros baseavam as presumíveis propriedades no exotismo: se provém de lugares tropicais e os nativos cabriolam o que cabriolam, é porque o que comem os induz a isso. Assim, atribuímos de imediato a sabores estranhos ao nosso paladar, como a pimenta, a canela ou o cacau, a capacidade de atear paixões. Por falar em chocolate, é rico em fenil­etilamina, um neurotransmissor de vital importância para os processos neuronais de enamoramento e que também surge nas rosas. Será talvez por isso que comparecemos nos primeiros encontros com um ramo e uma caixa de bombons?



Ouvido: Diz-me, diz-me!
Os sons possuem a virtude de espicaçar a nossa imaginação e, por conseguinte, de acender a chama da líbido.

Indubitavelmente, a música produz no Homo sapiens sapiens uma resposta emocional e uma reacção biomecânica concretas. Por isso, não será de estranhar que constitua um elemento condicionante no jogo de sedução; é que, tal como os discursos, entra pelo ouvido. Em termos sexuais, é já lendária (e, por conseguinte, questionável) a ideia de que os homens são mais facilmente estimulados pelos olhos e as mulheres pelas orelhas. Semelhante afirmação basear-se-ia no facto de elas serem muito mais fantasiosas do que eles. As fantasias e os desejos femininos tendem para a complexidade narrativa, pois as mulheres cuidam mais do estilo, do argumento, do enredo e do pormenor descritivo.

Efectivamente, se quisermos activar esse mecanismo criativo, é muito mais eficaz o ouvido do que a vista. Como assinalou o filósofo canadiano Marshall McLuhan (1911–1980), tornámo-lo complementar de outro sentido. Faça a prova: observe a sua própria reacção perante o próximo estímulo auditivo que receber.  Inconscientemente, irá procurar com o olhar a fonte do som. Esta propriedade faz da imagem sonora um aliado perfeito do desejo. Aperceber-se de um gemido ou de um fecho-éclair que se abre equivale a começar a escrever o relato da interacção. Por isso, o porno (meio explícito servido a quente, na terminologia de McLuhan) perde a disputa em termos eróticos.

Do mesmo modo que não é o mar que ouvimos quando aproximamos uma concha da orelha, mas a circulação interna no ouvido médio, quando escutamos o outro durante as primeiras fases do acto sexual (a excitação e o planalto) estamos, na realidade, a apreender o rumor do nosso desejo. Por isso, gerir bem o ouvido do parceiro garante, em grande medida, o êxito do encontro.

Reza a tradição que os argonautas conseguiram vencer a atracção pelo canto das sereias escutando a voz celestial de Orfeu. Ulisses, advertido pela feiticeira Circe, fez-se amarrar ao mastro enquanto a tripulação tapava os ouvidos com cera. Aqueles seres melodiosos eram a encarnação da mulher fatal, aquela que, se lhe prestarmos ouvidos, irá acabar connosco. Todavia, em termos de sexo, há que deixar-se levar pelo canto das sereias e reservar a cera para as velas.

O que queremos ouvir durante um encontro sexual? Tudo poderá revelar-se de uma utilidade extraordinária desde que seja verídico e surja no momento oportuno: de um gemido a uma lisonja, de uma incitação ao mais insolente dos insultos. De facto, os palavrões constituem um recurso habitual, muito mais do que a sexualidade normativa e púdica está disposta a admitir. Resultam muito bem (escusado será dizê-lo) entre os casais compenetrados e cúmplices que acordaram, explícita ou implicitamente, semelhante prática. Porém, não devemos esquecer que o que se ordena à mesa não se desordena na cama, por mais que, momentaneamente, pareça o contrário.


Olfacto: Pelo nariz
Não se deve subestimar a influência do cheiro corporal no fragrante jogo da sedução.

Dizia um libertino ilustrado do século XVIII que “o beija-mão é um grande princípio: permite farejar a carne”. Tendo em consideração que o cumprimento estava reservado às mulheres casadas, é uma autêntica declaração de princípios. A tradição de farejar, como forma de saudação e de reconhecimento, caiu em desuso. Agora, apoiamos suavemente os lábios na face de alguém próximo, mas, antigamente, esse gesto apenas antecipava uma profunda inspiração para apreender o aroma do próximo. Claro que isso era antes de o sentido do olfacto cair na acusação de animalidade. No entanto, apesar de todo o desprezo, empenha-se em demonstrar-nos a sua fascinante capacidade para a evocação.

O estímulo sensível captado pelo nariz irrompe directamente no sistema límbico (a zona mais primitiva da massa cinzenta, do ponto de vista evolutivo, e sede das emoções); depois, comunica com o córtex, o cérebro pensante. Esse ataque directo aos instintos explica a sua eficácia para induzir tanto a fantasia como a memória. Não só é o sentido mais intuitivo como, também, o mais irracional; veja-se a dificuldade em descrever um aroma.

Quando dizemos, por exemplo, “isto não cheira bem”, é muito diferente de afirmar “não vejo com bons olhos”. No segundo caso, queremos dizer que já emitimos um veredicto negativo depois de ter submetido a questão a uma apreciação, pois ver equivale a entender. No entanto, quando recorremos à metáfora odorífica, estamos a “torcer o nariz”, isto é, intuimos que algo não vai bem.

Numerosos estudos revelam que o palpite se alicerça na pormenorizada informação bioquímica que captamos sem ter consciência disso. No sexo, valorizamos particularmente um elemento do qual se discutia, até há pouco tempo, se fora alguma vez activado pelos seres humanos: as feromonas. O termo, aplicado inicialmente pelo alemão Peter Karlson e o suíço Martin Lüscher em 1959, provém etimologicamente das palavras gregas pher (levar) e hormon (estímulo, excitação).

Segregadas pelas glândulas sexuais, essas substâncias transmitem-se pelo ar, mesmo a grandes distâncias, e integram dados precisos sobre a predisposição para o acasalamento da fonte emissora. Parece que os seres humanos as apreendem através do órgão vomeronasal, um apêndice neuronal ligado ao nariz. No caso do homem, as feromonas mais importantes são as androsteronas, propagadas pelas axilas. Por sua vez, as mulheres libertam copulinas da vagina durante o estro, o período de fertilidade. Estas seriam responsáveis, por exemplo, pelo facto de diversas mulheres que vivam juntas acabarem por sincronizar os seus períodos menstruais. Claro que parece que temos tendência para não apreciar o nosso odor corporal, talvez pela inutilidade de processar mensagens que não foram dirigidas por qualquer remetente. Embora também possa influir, sem dúvida, uma característica exclusiva do olfacto: a de deixarmos de perceber certos odores ao fim de algum tempo de estar na sua presença.

Com o intuito de disfarçar estes reclames e muitos outros, ainda menos estimulantes, as fragrâncias sintéticas evoluíram em forma de perfumes, águas-de-colónia, ambientadores, etc. Talvez tenham alguma utilidade para a vida social humana, mas não são mais do que um estorvo no terreno sexual.

Todavia, não são apenas os odores que emanamos como animais sexuados e reprodutores que nos excitam. A verdade é que aquilo que designamos por humano, como já afirmámos, possui a capacidade de se exprimir de múltiplas formas. São exemplo disso a excitação sexual suscitada por cheirar flores (antolagnia), ou por farejar, entre outros odores físicos, um sapato usado (osmolagnia).





Tacto: Todas as teclas
A totalidade da pele pode ser considerada uma zona erógena, ou um instrumento que aprendemos a interpretar a quatro mãos.

Os antigos gregos chamavam “paquiderme” a quem tinha a pele grossa. Segundo eles, a protecção cutânea permitia-nos o contacto com o meio e a interacção; por conseguinte, o entendimento. Uma epiderme espessa era, em termos simbólicos, sinónimo de ignorância, rusticidade e incapacidade de compreensão.

Na sua expansão colonizadora, os romanos criaram curiosos territórios: os limes. Era assim que denominavam as zonas fronteiriças que marcavam os limites da expansão; para além destes, só existia a barbárie. Tudo o que acontecia nessas zonas de transição condicionava o funcionamento de Roma, o cérebro do Império. O limes era um espaço de perigos e confrontos, mas também, dada a sua capacidade osmótica e sensibilidade, de extraordinária riqueza cultural.

A pele, o nosso receptor do tacto, cumpre ambas as funções transcendentais: por um lado, desempenha o papel de limite e barreira, mas, pelo mesmo motivo, também configura um espaço de comunicação com o outro. A capacidade para transmitir informação na forma de pressão, temperatura ou textura é extraordinária. O órgão cutâneo conta com cerca de cinco milhões de terminações nervosas. Deste modo, reveste-se de uma importância crucial nos encontros de carácter sexual.

Os sexólogos sabem que essa superficie de aproximadamente dois metros quadrados constitui, na totalidade, uma zona erógena com capacidade para convocar Eros. No entanto, podemos ser mais subtis e distinguir dois tipos de zonas: as primárias (normalmente, os genitais), cuja estimulação provoca o orgasmo com maior rapidez, e as secundárias, que seriam as que permitem antecipar uma maior sensibilidade das anteriores. É também verdade, como Sigmund Freud anunciou, que essas janelas para a excitação se tornam facilmente histéricas ou erróneas se o estímulo não for o adequado.

Em sentido figurado, ter tacto (e, aqui, voltamos ao que falávamos sobre a capacidade deste sentido para contactar, comunicar e entender o outro) é uma qualidade diplomática. Consiste em saber apalpar cada coisa no devido momento. Como dizia Abraham Lincoln com um certo mau-humor não isento de razão, semelhante faculdade possui a virtude de “pintar os outros tal como eles se vêem”.

O que vem a seguir é algo que permanece ignorado pelos devotos de manuais do “bom amante” e pelos que procuram localizar dispositivos mágicos como o mítico “ponto G”: a sexualidade funciona como uma sinfonia. Saber que um piano possui teclas brancas e outras negras, mais pequenas, inseridas nas primeiras a intervalos esporádicos, não nos torna pianistas, e muito menos compositores.

Esforçar-se por encontrar a tecla infalível só serve para ficar a dar à manivela de uma pianola. Além de nos fazer perder tempo, coarcta a nossa espontaneidade e naturalidade, virtudes absolutamente recomendáveis quando se trata de nos relacionarmos sexualmente. Aprender a provocar pele de galinha ao nosso parceiro é tão difícil como inevitável: a epiderme, com a sua paisagem específica e vestígios de guerra, é o mapa sobre o qual temos, forçosamente, de nos orientar.


V.T. - SUPER 153 - Janeiro 2011







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