domingo, 17 de março de 2013

Erotismo em excesso - O síndroma da excitação persistente



Uma das disfunções da líbido mais enigmáticas e dolorosas que afectam o sexo feminino é a da excitação genital permanente, que surge sem que haja desejo, motivo ou maneira de ser aliviada. Investigámos as causas e os possíveis tratamentos para a estranha síndrome.

Em 2009, Michelle Thompson, uma inglesa de 43 anos, tornou-se subitamente famosa ao anunciar ter 300 orgasmos por dia desde há já algum tempo. Além do número, o aspecto mais singular do caso é que não os atingia através de relações eróticas ou da masturbação. Surgiam isoladamente, de repente, sem que houvesse desejo ou aviso prévio. Um dia, Michelle viu na TV uma reportagem sobre o assunto e sentiu que se identificava. Por isso, consultou um médico. Meses depois, foi-lhe diagnosticado o síndroma de excitação sexual persistente (PSAS, na sigla inglesa), uma alteração que provoca uma afluên­cia excessiva de sangue aos órgãos genitais e que causa uma excitação repentina e constante, mergulhando as mulheres afectadas num estado contínuo pré-orgásmico. “Trata-se de uma disfunção pouco frequente que se caracteriza pela presença de tensão genital e excitabilidade, mas sem a intervenção de qualquer desejo. Nem sempre conduz ao orgasmo e, mesmo que isso aconteça, a sensação não costuma desaparecer”, explica o psicólogo e sexólogo Francisco Cabello.

Além disso, verifica-se um dado curioso em termos de diagnóstico: as mulheres com PSAS vão ao ginecologista para se queixar de insatisfação sexual ou de dores durante a penetração, mas não para falar do persistente estado de excitação. De igual modo, embora a alteração possa surgir em qualquer idade, é mais frequente nas mulheres que estão na fase da menopausa (entre os 40 e os 50 anos) e naquelas submetidas a tratamentos hormonais. Outro dado confirmado é que, em certos casos, o aparecimento do síndroma pode estar relacionado com a suspensão de tratamentos com fármacos antidepressivos.

O PSAS foi identificado, pela primeira vez, em 2001, pela norte-americana Sandra Leiblum, especializada em terapia sexual, embora seja preciso reconhecer que, há um século, o psiquiatra alemão Richard von Krafft-Ebing descreveu sintomas semelhantes ao analisar a ninfomania. Sandra Leiblum tratou diversas pacientes que manifestavam excitação se­xual sem terem recebido estímulos libidinosos. Desde então, mais de 18 mil mulheres que pensavam ser vítimas do síndroma contactaram-na, e cerca de 2000 foram diagnosticadas.

A baixa incidência do PSAS, a par da angús­tia e da sensação de falta de controlo que pro­duz nas mulheres afectadas, explica a razão pela qual muitas preferem conviver com o problema em segredo. Por isso, uma das vítimas, a escritora norte-americana Jeannie Allen, definiu várias vezes a alteração como uma epidemia silenciosa cuja existência é apenas do conhecimento público graças aos meios de comunicação social, motivo pelo qual decidiu fundar um grupo de ajuda online para mulheres com o síndroma. Assim, a página http://www.psas-support.com proporciona apoio e aconselhamento às mulheres afectadas.

Actualmente, os especialistas consideram que o quadro clínico demonstra que se trata de uma disfunção sexual, e esperam ela que seja incluída no próximo Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais (o DSM, referência mundial na área, que contém todos os problemas que afectam a mente e a sua descrição). O PSAS não está relacionado com ser dependente do sexo ou ter multi-orgasmos, pois produz-se sem qualquer apetite erótico. “O estado de excitação das paciente surge sem que exista necessariamente um estímulo”, insiste Francisco Cabello. Nesse caso, o que se passa? “Sem que nada a provoque, verifica-se uma intensa tensão genital que, seja dito de passagem, não encontra alívio com o onanismo.”

Embora não se conheçam as verdadeiras causas, são várias as hipóteses sugeridas. “O PSAS”, diz Cabello, “tem sido relacionado com a existência de alterações neurológicas, com modificações vasculares na zona genital, com a possível pressão de tumores genitais e, também, com perturbações do sono.”

O que se torna evidente é que o problema começa (pelo menos, na maior parte das 2000 mulheres estudadas por Sandra Leiblum, que dirige os Serviços de Psicologia do New Jersey Center for Sexual Wellness, em Bedminster) com a chegada da menopausa, semanas depois de terem tido um filho por cesariana, após um tratamento com antidepressivos ou devido à combinação de diversos fármacos.

O perfil psicológico das mulheres afectadas é também muito importante, dado que se trata, em geral, de pessoas com tendência para sofrer do distúrbio obsessivo-compulsivo. No entanto, como acautelam os psicólogos, ainda não sabemos se estamos perante um problema de controlo dos impulsos.

Em 2008, o neuropsiquiatra Marcel Waldinger e os seus colegas da Universidade de Utrecht (Países Baixos) conduziram um estudo com 18 mulheres que sofriam do síndroma. Os resultados, publicados no Journal of Sexual Medicine, permitiam constatar um novo factor: a maior parte das pacientes observadas sofria também do síndroma das pernas inquietas e de hiperactividade da bexiga, além de varizes na região pélvica. Segundo Waldinger, este dado poderia indicar que o PSAS constituiria uma forma genital desse síndroma: uma perturbação do sono, ainda por estudar em profundidade, associada ao ardor, ao formigueiro ou à dor nos membros inferiores que surge durante a tarde ou a noite, provocando movimentos involuntários durante as horas de sono.

Por sua vez, Cesare Battaglia e Stefano Venturoli, da Universidade de Bolonha (Itália), defendem outra hipótese, Surgiu enquanto estudavam o caso de uma paciente de 25 anos que sofria de PSAS. Os médicos submeteram-na a diversos exames clínicos (ecografia Doppler, ultrassonografia 2D e Power Doppler tridimensional), a fim de medir o volume e irrigação do clítoris antes e depois de alcançar o clímax.

O resultado foi esclarecedor: a jovem apresentava uma ligeira e intermitente intumescência do clítoris que recorda o priapismo masculino. Trata-se de uma erecção prolongada do pénis que impede, por vezes, os indivíduos afectados de se mexer ou sentar-se, devido à dor. O trabalho dos dois italianos torna manifesto um dos obstáculos que os especialistas enfrentam quando se trata de abordar e diagnosticar o distúrbio feminivo: a ausência de sintomas físicos evidentes.

Os elevados níveis de ansiedade observados nas pacientes e a insatisfação contínua que as afecta levam a pensar noutras possíveis causas. Não se trata de uma necessidade que nasce da mente, mas de uma sensação física. Aparentemente, produz-se uma afluência de sangue que se mantém na zona genital, o que dá origem a uma excitação incontrolável. Há uma falta de controlo dos próprios impulsos, o que causa angústia e uma sensação de vazio. No campo psicológico, o PSAS pode ter muito a ver com a ansiedade ou mesmo com possíveis carências afectivas.

O aspecto mais grave do distúrbio é provocado pelas consequências psicológicas verdadeiramente devastadoras, decorrentes da aflição permanente que provoca. A zona genital fica tão hipersensível que nem sequer a masturbação consegue aliviar a tensão. É por isso que o problema se torna tão incómodo e doloroso; vive-se, em geral, com muito mal-estar, pois trata-se de algo não desejado e incontrolável.

Em alguns casos, como o de Michelle Thompson, além da aflição e dos picos emocionais que suscita, o PSAS é a causa de problemas entre o casal ou mesmo laborais. Para piorar a situação, recordam os psicólogos, estas mulheres são frequentemente confundidas com viciadas no sexo ou ninfomaníacas, embora o problema não tenha nada a ver com isso. Assim, sentem-se diferentes das outras ou mesmo desprezadas, pelo que podem, por vezes, sofrer depressões devido à sensação de falta de controlo. É evidente que esta confusão faz que as vítimas do síndroma tenham de suportar, muitas vezes, uma grande angústia, o que inevitavelmente se repercute, de forma negativa, na sua auto-estima.

O que pode, então, fazer a medicina por estas mulheres? Actualmente, não existe uma cura definitiva para o distúrbio e, por conseguinte, o tratamento consiste na combinação de diferentes terapias destinadas a aliviar os sintomas. Em primeiro lugar, surgem as soluções farmacológicas: anestésicos locais, associados ao mentol; inibidores da recaptação da serotonina e medicamentos hormonais anti-androgénicos. Existem outras moléculas a ser preparadas nos laboratórios que parecem promissoras: “Testaram-se bastantes fármacos, com destaque para os anti-epiléticos, que em alguns casos surgem como o tratamento preferido”, explica Francisco Cabello.

Em paralelo à abordagem farmacológica, os especialistas insistem nos benefícios para as pacientes da psicoterapia. Embora não haja um protocolo de procedimento que se possa aplicar de forma generalizada, na maior parte dos casos o importante é trabalhar as possíveis causas e ajudá-las a dominar a ansiedade e os impulsos. “É preciso ver se existe uma causa orgânica subjacente. Se não houver, o tratamento deve ser abordado com fármacos ansiolíticos”, afirma Cabello.

O facto é que a ansiedade é um sintoma presente em todas as pacientes. É por isso que os psicoterapeutas também recorrem a métodos de descontracção para tratar o PSAS. Através de técnicas designadas por “prevenção de reac­ção”, ajudam as pacientes a controlarem a ansiedade prévia. Por fim, no intuito de evitar que o orgasmo surja, os especialistas ensinam as pacientes a relaxar a zona pélvica através de exercícios de activação e descontracção muscular. Trata-se, sem dúvida, de uma técnica fundamental.

Para compreender a hiperexcitação
A tensão vaginal que afecta as vítimas do síndroma de excitação sexual persistente surge acompanhada de outros sintomas, cuja origem é pouco conhecida.

Sintomas
Vasocongestão e hipersensibilidade nos seios e órgãos genitais que persistem durante longos períodos e nunca desaparecem por completo.

As manifestações fisiológicas da excitação não se dissipam com o clímax. Por vezes, passam após múltiplos orgasmos durante horas e dias.

A mulher afectada não associa o estado de excitação física a qualquer estímulo erógeno que estimule a sua líbido, nem com uma sensação de desejo.

A excitação pode ser desencadeada não só pela actividade erótica como, também, por estímulos cuja origem não é de cariz sexual.

É uma experiência não-desejada, intrusiva, incontrolável e inevitável.

Causas
Alterações bruscas no sistema nervoso central. Algumas lesões cerebrais concretas ou determinadas lesões na medula podem causar o distúrbio.

Alterações no sistema nervoso periférico, como, por exemplo, hipersensibilidade nos nervos pélvicos.

Problemas no sistema circulatório, como vasocongestão na zona pélvica.

Pressões sobre alguma parte dos órgãos genitais, como as que podem ser causadas por um pequeno tumor ou um quisto.

Perturbações hormonais como as provocadas pela chegada da menopausa ou, em certas ocasiões, durante a ovulação.

Alterações psicológicas provocadas pela depressão ou pelo stress.



N.C. - SUPER 152 - Dezembro 2010

Nenhum comentário: