sábado, 3 de setembro de 2011

Características da sexualidade na infância - considerações gerais

Consideramos hoje a infância como o período que ocorre entre o nascimento e a puberdade (10/12 anos). No entanto, nem sempre foi assim e, até ao século XVII, a infância não era sequer reconhecida como um período individualizado da vida humana (Badinter, 1980; Ariès, 1988; Strecht, 2001). Sob esse enfoque, a criança era vista apenas como um pequeno adulto, não recebendo educação específica e tendo que, precocemente, conviver com o trabalho e corn as preocupações próprias dos adultos. Esses factos, ligados à sociogénese da infância, aparecem com muita clareza através do estudo do vestuário infantil típico dessas épocas, bem como na análise das expectativas acerca das crianças das diversas classes sociais.

A partir desse século, com o empobrecimento da nobreza e com a ascensão da burguesia, ocorrem vários movimentos humanistas, passando a criança a ser exaltada pela sua pureza, dentro de todo um contexto social de revalorização. Nessa época, compreendia-se a prática do sexo como actividade pecaminosa e não merecedora de aceitação divina e social. As crianças, por não terem os genitais externos ainda desenvolvidos e por se considerar que não praticavam actividades ?sexuais?, estavam em estado de pureza, isentas, assim, de qualquer ?culpa?. Ainda sob esse ponto de vista, acreditava-se que essa ?inocência? era proveniente da ignorância sobre as questões relacionadas com a sexualidade (Ariès, 1988; Pais, 1987).

A partir desses conceitos, foi valorizado um tipo de ?educação? que ao mesmo tempo mantinha as crianças (e os adolescentes) sem informação e impunha-lhes um padrão que reprimia determinadas expressões da sexualidade. Visando mantê-las afastadas da curiosidade sobre os comportamentos sexuais. Os resquícios sociais de tais padrões educacionais continuam, ainda hoje, em evidncia na angústia que a maioria dos adultos sofre face às manifestações da sexualidade infantil (Ariès, 1988; Pais, 1987).
No entanto, ao longo do séc. XX assistiu-se a importantes mudanças no que se refere aos padrões socialmente aceites para as diferentes expressões da sexualidade. Embora, de uma maneira geral, exista, ainda, um duplo padrão relativamente aos dois sexos, a sexualidade tem vindo, gradualmente, a ser melhor compreendida, deixando de ser, quase sempre, exercida sem permissão social e usualmente condenada a clandestinidade (Lopez, 1999).

Grande parte desta mudança foi influenciada pelas ideias de Freud, ao afirmar a existência da sexualidade na infância, correlacionando-a com as fases de desenvolvimento da criança. As suas declarações foram muito contestadas pela sociedade da época, que relacionava ainda a ausência de sexualidade a pureza e a inocência. Nessa concepção, era virtuoso todo aquele que negasse a satisfação dos seus próprios desejos, especialmente quando a razão não os autorizava. Freud ousou declarar que todos praticávamos sexo e que ele estava inserido na natureza humana desde o nascimento, tratando a questão não como um ?pecado?, mas como causa de sentimentos de culpa e, portanto, de algumas perturbações emocionais (Freud, 1905).

Hoje, admitimos que a sexualidade se manifesta desde o início da vida e que se desenvolve, acompanhando o desenvolvimento geral do indivíduo e integrada no seu bem-estar biopsicossocial (Lopez & Fuertes, 1999). Sabemos que, independentemente do ciclo de vida em que estejamos, somos sexuados e temos manifestações e interesses sexuais. Sabemos, igualmente, que a sexualidade muda ao longo da vida e que cada idade tem as suas manifestações próprias, admitindo várias formas de expressão consoante os indivíduos (Félix. 1995).

Se a sexualidade infantil tem muitos aspectos semelhantes à dos adultos (procura de prazer e de comunicação; conhecimento do seu corpo e do corpo dos outros), tem, no entanto, características específicas, tais como:

1. Os órgãos genitais estão pouco desenvolvidos e os caracteres sexuais secundários iniciam o seu desenvolvimento apenas no final da infância.
2. A quantidade de hormonas sexuais em circulação no sangue é também muito pequena, o que vai interferir na pulsão sexual, que é diminuta.
3. Por razões hormonais, o prazer sexual é difuso.
4. Os estímulos externos não têm significado erótico. Na infância, a atracção por outras pessoas é mais uma atracção afectiva que sexual.
5. A orientação do desejo (homossexual, heterossexual ou bissexual) não está consolidada; esta acontecerá somente na adolescência.
6. É mais dificil às crianças fazer a distinção entre os desejos e sentimentos especificamente sexuais e os desejos e sentimentos afectivos.

Por último, não será demais realçar que as actividades sexuais das crianças se baseiam em motivações muito diferentes das dos adultos. O que, na maioria das vezes, as crianças desejam é imitar os adultos, conhecer o seu corpo e o dos outros. Assim se explicam muitos dos jogos de conteúdo sexual que se realizam na infância, quer seja o brincar ?aos médicos?, quer aos ?pais e mães?.
Na faixa etária entre os 2 e os 6 anos a actividade sexual é essencialmente lúdica, exploratória e informativa e assenta no auto-erotismo.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Adolescência terminável e interminável

Quando olhamos para trás, para os acontecimentos que nos marcaram ao longo da nossa vida, quais são os que nos vêm à mente? O primeiro beijo? O falecimento de um familiar querido? A nossa estreia, mais ou menos atribulada, na escola? O dia do nosso casamento? O nascimento do nosso primeiro filho? As possibilidades são múltiplas. Quantos destes acontecimentos marcantes tiveram lugar durante a adolescência? Provavelmente apenas uma minoria deles.

Mas se reformularmos a questão e perguntarmos quantos deles marcaram o início ou o fim de uma fase da nossa vida, provavelmente constataremos que muitos deles, efectivamente, tiveram um impacto decisivo no nosso modo de vermos o mundo, de interagirmos com os outros, enfim, no nosso posicionamento face a nós próprios e face aos outros. Quero com esta discussão chamar a atenção para o facto de que provavelmente a nossa vida é feita de fases, não necessariamente marcadas por aquilo que se convencionou que fossem as “fases normativas do desenvolvimento”, como seja a adolescência.

Um dos problemas é que uma vertente importante da Psicologia, a Psicologia do Desenvolvimento, fez de sua tarefa a delimitação da sucessão de períodos, marcadamente diferentes do ponto de vista qualitativo e quantitativo, que os seres humanos atravessam ao longo da vida, no que respeita a diferentes dimensões do seu funcionamento psicossocial.

São exemplos deste tipo de perspectiva a teoria do desenvolvimento psicossexual de Freud, a teoria do desenvolvimento moral de Kohlberg, a teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget bem como a do desenvolvimento da personalidade de Erikson, só para citar as mais conhecidas. De acordo com esta perspectiva, a transição de cada um dos períodos para o seguinte estaria condicionado pelo cumprimento de determinadas tarefas do período anterior, sem o que tal transição estará inviabilizada.

Do ponto de vista académico e enquanto auxiliar na leitura da realidade, as teorias desenvolvimentais são extremamente úteis, no sentido em que nos permitem a compreensão dos factores que, ao longo do desenvolvimento, são característicos da maioria das pessoas. Podem assim, auxiliar-nos a perceber o que é de esperar que em certos momentos da vida aconteça e também nos alertam para o facto de que existem capacidades e funções que apenas se podem desenvolver após estarem concluídas as anteriores que lhe servem de base. As teorias desenvolvimentais tornam-se obsoletas e transformam-se em factores obstructores do pensamento, quando tomadas como realidades por si, inalteráveis e condicionantes do nosso modo de olhar para a realidade.

Tomemos aqui, como exemplo estratégico, a adolescência. De acordo com as teorias desenvolvimentais da personalidade, bem como do ponto e vista do senso comum, a adolescência é o período cujo início é marcado pela puberdade e cujo final decorre da completa autonomização do indivíduo do ponto de vista funcional, emocional e económico. Esta delimitação seria simples, não fosse o facto de não ser eficaz. Começamos logo por pôr em causa a ideia da puberdade como um acontecimento que marca o início da adolescência. Se é verdade que todo o fogo de artifício hormonal da puberdade é uma verdadeira revolução no processo de desenvolvimento, com marcadas alterações do ponto de vista fisiológico, o certo é que muitas vezes, as mudanças ficam-se mesmo por aí.

Mesmo que, na maioria dos casos, estas mudanças sejam acompanhadas por diferentes formas de o indivíduo se relacionar com os outros, em particular com os pais e com a família, de olhar para o mundo, nomeadamente pelo acesso ao raciocínio abstracto e de um interesse crescente pela sexualidade, o certo é que nem em todos os casos isto acontece e encontramos muitos ditos “adolescentes” cujo funcionamento é francamente infantil, por vezes até aos 16-18 anos, para não dizer mais tarde.

Ou seja, se a adolescência é mais do que um processo de alterações fisiológicas, mas todo um conjunto de mudanças psicológicas, sociais, sexuais e emocionais, então não é possível fixar o seu início no aparecimento da menarca nas raparigas ou das primeiras ejaculações com espermatóides nos rapazes, uma vez que há outros factores a ter em consideração. Só a título de exemplo, sabe-se que, ainda que nas raparigas a puberdade surja em média dois anos antes dos rapazes, estes tendem a despertar para o prazer sexual em média dois a três anos antes das raparigas (Knoth et al., 1988, cit. por Baldwin & Baldwin, 1997), o que nos indica que algumas das alterações que tendemos a considerar típicas da puberdade são na verdade condicionadas por outros factores sociais e culturais que podem antecedê-la.

Se do ponto de vista do seu início é possível questionar a universalidade da adolescência como decorrente da puberdade, no que respeita ao seu final a situação é ainda mais complicada e torna-se quase impossível determinar com algum grau de precisão o momento em que esta “fase” termina. Como foi já referido, aponta-se a autonomização a vários níveis como o indicador de que já se entrou no mundo dos adultos.

Porém, o aumento do período de escolaridade que actualmente, se incluirmos mestrado e, para os mais arrojados, doutoramento, pode chegar aos 30 anos de idade, acrescido das dificuldades que muitos jovens adultos têm em encontrar um emprego minimamente estável e que lhes proporcione um rendimento suficiente para se puderem mudar para um espaço que seja seu, além do puro comodismo que é o de ter comida, cama e roupa lavada em casa dos pais, estamos perante um arrastar da adolescência vida fora, ao ponto de algumas pessoas com 40 e 50 anos poderem enquadrar-se no conceito mais lato de adolescência!

Existe até quem fale da geração canguru, ou seja, aquela que vai permanecendo na protecção e conforto da bolsa materna, diga-se de passagem muitas vezes com o incentivo implícito ou explícito dos próprios pais, até bastante tarde, em particular se comparado com o que acontecia em gerações anteriores.

Assim, acontecimentos que poderiam ser indicadores de uma maior autonomização das figuras parentais e que se poderiam constituir como momentos-chave de entrada na vida adulta (rituais de passagem, se se quiser), como é o caso da maioridade legal (e com ela a possibilidade de votar e de tirar a carta), do cumprimento do serviço militar, do início de uma vida profissional activa, ou até mesmo do ter filhos, acabam, nos dias de hoje por não pôr um ponto final à adolescência.

Outros factores também põem em causa algumas das ideias que vigoram tanto no discurso científico quanto no senso comum sobre a adolescência. Referimo-nos em particular à ideia de que este é um período marcado pela instabilidade, pelos conflitos e pelo sofrimento. Esta é uma herança que nos chega em grande parte de Stanley Hall (1844-1924), psicólogo norte-americano que dedicou uma parte importante do seu trabalho ao estudo da adolescência.

Ainda que, por esse mesmo motivo tenha tido fulcral importância no colocar o enfoque sobre a mesma, a sua perspectiva sobre o adolescente não era das mais positivas. De acordo com Hall, durante este período ocorre como que uma recapitulação das fases de desenvolvimento da humanidade, começando com a barbárie, entre os 7 e os 13 anos, em que o indivíduo não teria posse de funções mentais superiores tais como razão, a moral ou o amor. O progresso ao longo do desenvolvimento permitiria ao indivíduo o alcançar de estadios superiores do desenvolvimento humano. Assim, a adolescência seria caracterizada pela instabilidade - sturm und drang (tensão e agitação) - devido ao facto de recapitular um período histórico de transformações rápidas e caóticas ligadas ao processo civilizacional (Sprinthall & Collins, 1988).

Apesar de muito criticadas na sua época e agora já ultrapassado muitas das suas ideias, chega-nos como uma forte herança de Hall a ideia da adolescência como um momento particularmente problemático do desenvolvimento. Porém, o que os estudos nos demonstram, é que durante o período de vida que decorre aproximadamente entre os 10 e os 21 anos, apenas uma minoria (entre 10 e 20%) sofre de distúrbios psicológicos ou desenvolvimentais graves. O consumo de drogas duras, por exemplo, apesar de chegar à opinião pública com contornos de uma pandemia entre os jovens, ocorre apenas em menos de 2% dos adolescentes portugueses (Matos et al, 2003). Da mesma forma, problemáticas como sejam as relacionadas com o comportamento alimentar (anorexia e bulimia), com a depressão e o suicídio, são característicos de apenas uma minoria dos adolescentes.

O que, de resto, se verifica, é que o funcionamento típico durante a adolescência irá também ser típico durante o resto do percurso de vida do indivíduo, ou seja e a título de exemplo, a delinquência de um adolescente irá muito provavelmente ter continuidade na vida adulta através dos mesmos comportamentos de desrespeito pela integridade e propriedade de outros, da mesma forma que o adolescente que atravessa a transição para a adultícia sem sobressaltos irá muito provavelmente ter uma entrada e continuidade na vida adulta também pacífica.

Donde se depreende que o desenvolvimento psicossocial de cada pessoa é marcado mais pelo progresso e continuidade do que pelos sobressaltos e por paragens mais ou menos bruscas que possam ocorrer nesse processo. Sobressaltos, bem como acontecimentos positivos, podem ser marcantes e afectar o modo habitual de funcionamento do indivíduo, para bem ou para mal. Porém, como já referimos, estes acontecimentos não são apenas conotados ao período da vida a que se convencionou chamar de adolescência, mas a todo o nosso percurso desenvolvimental.

Quais é que são, então, as grandes conclusões que daqui podemos retirar? Uma delas será que a ideia de crise desenvolvimental, ou seja, a conceptualização de momentos da vida em que, tipicamente, todos os indivíduos passam por determinado tipo de problemas (e aqui falamos de adolescência, mas também da meia-idade, da entrada para a escola, entre outras) é altamente questionável. Ainda que Erikson, um dos pais deste conceito, o tenha descrito como um momento de crescimento potencialmente positivo, o certo é que com ele se presume sempre uma standardização no funcionamento psicossocial dos seres humanos, o que os padroniza e lhes retira assim a sua especificidade individual que os torna seres únicos e especiais.

Outra conclusão que daqui se pode retirar, refere-se em particular à adolescência e prende-se ao facto de tanta atenção se dedicar a este período da vida dos indivíduos, correndo-se o risco de efectivamente a problematizar - as realidades também se criam através da veiculação e manutenção deste tipo de ideias. Deste modo, quando no título desta apresentação se refere a terminabilidade da adolescência ou a ausência dela, referimo-nos a duas questões diferentes, mas complementares - a da terminabilidade de uma fase que, no sentido em que se encontra definida, cada vez mais se verifica estar a arrastar vida fora, mas também nos referimos à terminabilidade de um conceito com diversas limitações intrínsecas e que podem afectar a forma como os indivíduos a vivem e também a forma como outros, técnicos em particular, lidam com ela do ponto de vista conceptual e da intervenção.


Referências bibliográficas:

Matos, M. E equipa do Projecto Aventura Social & Saúde (2003). A saúde dos adolescentes portugueses (Quatro anos depois). Lisboa: Ed. FMH.

Sprinthall, N.A. & Collins, W.A. (1999). Psicologia do adolescente. Uma abordagem desenvolvimentalista. 2.ª Edição (Edição original de 1988). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Por que somos diferentes?

A diversidade de comportamentos eróticos nas diferentes culturas e no interior de cada sociedade deixa a ciência intrigada. O ambiente e os genes têm muito a dizer.

Tonga é um pequeno país insular situado a Leste da Austrália, no Pacífico Sul. O actual rei continua a desempenhar certas funções (trata-se de uma monarquia constitucional), mas há muito que já não tem a obrigação de desflorar as mulheres virgens da ilha. Um dos seus antepassados, Fatefehi, foi obrigado a cumprir o extenuante dever durante anos: estima-se que iniciou nas artes do amor 37.800 raparigas, entre 1770 e 1784, a um ritmo de seis ou sete por dia.

As mulheres nayares da Índia também podem manter um número considerável de relações sexuais, mas não como uma obrigação; fazem-no por diversão. Nesta casta de guerreiros hindus (ou seja, a nayar), as meninas devem passar por uma cerimónia que dura quatro dias antes da primeira menstruação. No fim do ritual, recebem o tali, um colar que simboliza que contraíram matrimónio. A partir desse momento, podem manter relações sexuais com quantos amantes (sambandha) quiserem, um de cada vez ou no número que considerem mais apetecível. Um deles poderá tornar-se seu marido, mas isso não é obrigatório. De facto, não costuma ser habitual.

Os jovens etoros da Papuásia/Nova Guiné, pelo contrário, tratam de restringir o número de parceiros eróticos e a quantidade de relações sexuais que mantêm ao longo da existência. Praticam a castidade ("a mais desnaturada das perversões sexuais", segundo o escritor inglês Aldous Huxley ) com as suas companheiras durante a maior parte do tempo. O motivo é simples: acreditam que a quantidade de sémen é limitada e que morrerão quando esgotarem as suas reservas. A quantidade do precioso fluido de que um homem etoro poderá dispor ao longo da vida é adquirida durante a adolescência. Como? Através da prática de sexo oral aos homens maduros da tribo. Por isso, um jovem não pode ter um aspecto demasiado saudável: considera-se que abusou do sexo oral e que ingeriu demasiado sémen. Nesse caso, é obrigado a manter relações sexuais com mulheres para recuperar o equilíbrio.

No mundo ocidental, semelhante teoria seria liminarmente descartada; ninguém acredita que se tenha de limitar o número de coitos para racionar o sémen. O que se verifica na nossa sociedade é a castidade voluntária: um número considerável de indivíduos não praticam sexo porque não desejam fazê-lo. A Sociedade Assexual Americana estima que esse grupo integra cerca de três por cento da população mundial, mas talvez a percentagem real seja ainda maior, agora que já não se esconde a opção assexual. No Japão, país que muitos especialistas consideram ser um exportador de tendências, cada vez se mantêm menos relações. Uma sondagem da Associação Japonesa de Planeamento Familiar efectuada junto de pessoas entre os 16 e os 49 anos mostrou que 31% não tiveram contactos sexuais no último mês, "sem qualquer razão especial".

A variedade de comportamentos que emerge destes exemplos dá uma ideia da diversidade sexual humana. Os antropólogos assinalam que a nossa conduta erótica poderá ser mais heterogénea do que a forma de vestir, os hábitos alimentares ou as normas éticas. A cantora e actriz norte-americana Bette Midler perguntava há tempos: "Se o sexo é um fenómeno tão natural, por que existem tantos livros sobre como fazê-lo?" A verdade é que os cientistas continuam a interrogar-se por que motivo reagimos de forma tão variada a algo que é, na sua essência, uma imposição biológica.

A motivação sexual é o mecanismo que favoreceu a selecção natural para aumentar a probabilidade de sobrevivência da espécie. Quando duas pessoas se sentem atraídas, não costumam parar para pensar que estão a ser guiadas pelos seus genes, mas o prazer que as move é um mecanismo mental, dirigido pela pulsão biológica, que é fruto da adaptação. Talvez essa inconsciência que a natureza estabelece seja a causa para se ter demorado tanto a começar a estudar as estratégias sexuais humanas.

Um dos primeiros especialistas a tentar quebrar o tabu foi Alfred Kinsey, professor catedrático de biologia e zoologia da Universidade do Indiana: surpreendido por haver tantas referências à sexualidade animal e tão poucas à nossa, decidiu efectuar um macro-inquérito. Foi alvo de acesas críticas por parte de sectores médicos e grupos religiosos, que chegaram a ameaçar incendiar-lhe a casa, mas não conseguiram intimidá-lo. O célebre Relatório Kinsey, publicado em 1948 (homens) e 1953 (mulheres), reunia dados sobre a vida erótica de 11.240 pessoas e os resultados deixaram a sociedade norte-americana atónita, pois mostravam um panorama inesperadamente heterogéneo que não correspondia ao que era considerado "normal". Por exemplo, 37% dos homens tinham tido uma experiência homossexual, 62% das mulheres tinham-se masturbado e quase metade tinham tido relações antes do casamento.

Todavia, o que mais chamava a atenção era a grande diversidade na actividade sexual quotidiana. Surgiam homens e mulheres que afirmavam nunca ter tido um orgasmo, e outros que usufruíam de quatro ou mais por dia. Os dados também mencionavam pessoas absolutamente monógamas que há décadas mantinham relações com a mesma pessoa (a única parceira sexual da sua vida) e outras que não conseguiam manter-se fiéis mais de um ano. Isto para não falar das singularidades e dos comportamentos excêntricos: daqueles cuja maior fonte de excitação eram os dentes, os sapatos de salto alto ou as reuniões de trabalho.

O que tornava o estudo revolucionário era a sua metodologia. Kinsey adoptou uma abordagem relativamente ao sexo inédita na altura: o chamado "ponto de vista etic". Os antropólogos designam assim os estudos que procuram investigar o funcionamento de uma cultura de forma objectiva, baseando-se em números e dados reais, e não no que os indivíduos supõem sobre o que os seus vizinhos fazem ou não. O biólogo sabia que, quando se trabalha com interpretações (com o que os membros de uma cultura pensam que acontece na sociedade em que vivem, o "ponto de vista emic"), é fácil cair num padrão de normalidade fictícia. Kinsey averiguou o que se passava verdadeiramente nos quartos sem deixar que ninguém lhe filtrasse a realidade, e descobriu uma grande variedade de comportamentos eróticos.

A partir do relatório que publicou, a homogeneidade foi cientificamente descartada e os estudos centraram-se em procurar explicar a diversidade. Marvin Harris, professor de antropologia nas universidades de Columbia (Nova Iorque) e da Florida, é um dos principais representantes dessa corrente. O "pai" do materialismo cultural coloca em questão "que existam em absoluto modos de sexualidade humana obrigatórios, para além dos impostos por prescrição cultural". Nada funciona de forma idêntica em todas as culturas. Segundo Harris, as condições materiais constituem o principal factor a condicionar os conceitos sobre sexualidade. A proporção de comportamentos homossexuais, o grau em que se permitem relações consanguíneas ou as leis implícitas e explícitas sobre o adultério podem ser explicadas com base na adaptação ao meio em que cada colectividade vive. E indica um exemplo: quando o investimento na prole se torna muito dispendioso, a sociedade torna-se mais puritana, pois é mau negócio andar a criar e educar filhos alheios. Em contrapartida, nas populações onde esse custo é menor, os costumes tornam-se mais permissivos relativamente ao adultério e à promiscuidade.

O antropólogo francês Pascal Dibie, professor da Universidade de Paris VII, oferece outro exemplo de como a socieade nos molda em função das necessidades materiais. Em Etnologia do Quarto de Cama, fala do ghotul, uma escola erótica frequentada de noite pelos adolescentes da etnia muria, na Índia. As regras deste local de iniciação sexual foram alteradas: antes, os que ali se dirigiam ficavam com o mesmo par dia após dia para aprender as artes do amor. Todavia, no ghotul moderno, as relações duradouras são proibidas: permanecer mais de três dias com o mesmo companheiro ou companheira acarreta sanções.

O motivo, segundo Dibie, é a necessidade de preservar a ordem social numa cultura cada vez mais permeada por valores e formas de vida alheias. Até agora, os jovens não questionavam os casamentos arranjados tradicionais dos murias. Agora, no entanto, reivindicam o amor e as uniões espontâneas ou por paixão. Como esse tipo de relações quebraria alianças antigas, criaria tensões desnecessárias e complicaria o pagamento de certas dívidas, os adultos procuram proibi-las. Para dissuadir os adolescentes e atenuar a sua curiosidade sexual, permitem que se deitem com todos os membros do ghotul. Argumentam que se reduz, deste modo, o risco de adultério e os ciúmes nos futuros casamentos. Mais uma vez, vemos uma explicação emic (a suposta vantagem para a harmonia do casal) a servir para disfarçar causas etic (a preservação das convenções sociais e económicas). A necessidade adaptativa promove uma promiscuidade que seria sancionada noutro contexto.

Os casos já referidos recordam-nos o valor evolutivo da heterogeneidade, algo que não suscita, sobretudo desde a revolução darwiniana, qualquer dúvida aos cientistas. A variabilidade é a matéria-prima da evolução, pois o que funciona num ambiente pode ser um desastre noutro. Assim, para que a selecção natural possa agir sobre uma característica, tem de haver diferentes versões do gene (ou genes) que o controlam. Ronald Fisher, um dos fundadores da genética de populações, demonstrou matematicamente que quanto mais alelos (variantes) existirem de um gene, maior será a probabilidade de um se conseguir impor aos restantes. Isso implica que uma maior variabilidade genética se traduz num maior ritmo de evolução de uma população.

A sexualidade constitui a base de propagação e sobrevivência dos genes. Quanto maiores as diferenças entre nós, maiores probabilidades teremos de subsistir em qualquer tipo de circunstâncias. Marilyn Monroe afirmou: "O sexo faz parte da Natureza, e eu dou-me maravilhosamente com a Natureza." A ciência actual recorda que darmo-nos bem com o biológico implica entender e respeitar a diversidade. Castos ou promíscuos; pessoas que associam o sexo ao amor e outras a quem os sentimentos diminuem a líbido; heterossexuais, homossexuais, bissexuais e "quadsexuais" (uma nova categoria lançada por Angelina Jolie que engloba os que gostam de homens, mulheres, homossexuais e transsexuais)... Todos contam.

Ainda persistem curiosos comportamentos sexuais noutras culturas, surpreendentes ou mesmo questionáveis, de acordo com a nossa perspectiva.

A iniciação sexual em muitas tribos africanas é muito precoce. Os chewas (ou chicheuas, da Zâmbia e do Malawi) acreditam que se deve manter uma intensa actividade erótica durante a infância para se ser fecundo na idade adulta. Todavia, o elevado risco de contágio da sida fez subir a idade de iniciação.

Na tribo dos nandi, no Quénia, as meninas de oito anos são consideradas maduras para terem relações e tornam-se propriedade de todos.

Os turus da Tanzânia aceitam que as esposas tenham amantes desde que mantenham as aparências. Os vizinhos colaboram e não as denunciam.

Os adolescentes das ilhas Trobriand, na Papuásia/Nova Guiné, dispõem de uma casa de solteiros onde mudam de parceira todas as noites.

Algumas mulheres do Iémen pintam a pele de negro com pigmentos naturais antes de se deitarem com um homem, pois pensam que essa cor aumenta a potência sexual masculina.

No ritual matrimonial dos arandas, na Austrália central, a noiva deve passar uma noite com os pais do noivo antes de ir para a cama com ele.

Em Samoa, ver um umbigo é muito excitante; na ilha de Celebes, o mais apetecível é mostrar o joelho, enquanto para os hotentotes, etnia do Sudoeste africano, picante é observar os genitais dos animais.

Entre os sakalaves de Madagáscar, o estranho é ser exclusivamente heterossexual, pelo que praticam uma espécie de pansexualidade.

Entre vários povos da Nova Guiné, os adolescentes preparam-se mantendo relações homossexuais, mas, depois do casamento, tornam-se heterossexuais.

Normal vs. perverso

Ao longo da História, as instituições religiosas e jurídicas tentaram controlar o comportamento erótico dos cidadãos, apesar das diferenças naturais que existiam em matéria de gostos e tendências sexuais. Para atingir os seus objectivos, classificavam como perversão tudo o que se afastava da alegada normalidade.

O tabu era criado com base em critérios religiosos (pecado) ou jurídicos (delito); começaram também a ser esgrimidos, desde o século XIX, motivos de saúde para anatemizar os instintos desregrados.

Por exemplo, o médico britânico William Acton tornou público, em 1857, um estudo em que afirmava que algumas mulheres tinham orgasmos durante o coito, concluindo que esse efeito era um distúrbio produzido pela sobre-estimulação. Um século depois, William Masters e Virginia Johnson trocaram-lhe as voltas e afirmaram que o anómalo era a anorgasmia.

Até 1973, a homossexualidade foi considerada uma doença mental e constituía um delito em muitos países. Ainda hoje é considerada crime em cerca de 70 estados. Em Portugal, só foi despenalizada em 1982.

L.O. super interessante 148