A diversidade de comportamentos eróticos nas diferentes culturas e no interior de cada sociedade deixa a ciência intrigada. O ambiente e os genes têm muito a dizer.
Tonga é um pequeno país insular situado a Leste da Austrália, no Pacífico Sul. O actual rei continua a desempenhar certas funções (trata-se de uma monarquia constitucional), mas há muito que já não tem a obrigação de desflorar as mulheres virgens da ilha. Um dos seus antepassados, Fatefehi, foi obrigado a cumprir o extenuante dever durante anos: estima-se que iniciou nas artes do amor 37.800 raparigas, entre 1770 e 1784, a um ritmo de seis ou sete por dia.
As mulheres nayares da Índia também podem manter um número considerável de relações sexuais, mas não como uma obrigação; fazem-no por diversão. Nesta casta de guerreiros hindus (ou seja, a nayar), as meninas devem passar por uma cerimónia que dura quatro dias antes da primeira menstruação. No fim do ritual, recebem o tali, um colar que simboliza que contraíram matrimónio. A partir desse momento, podem manter relações sexuais com quantos amantes (sambandha) quiserem, um de cada vez ou no número que considerem mais apetecível. Um deles poderá tornar-se seu marido, mas isso não é obrigatório. De facto, não costuma ser habitual.
Os jovens etoros da Papuásia/Nova Guiné, pelo contrário, tratam de restringir o número de parceiros eróticos e a quantidade de relações sexuais que mantêm ao longo da existência. Praticam a castidade ("a mais desnaturada das perversões sexuais", segundo o escritor inglês Aldous Huxley ) com as suas companheiras durante a maior parte do tempo. O motivo é simples: acreditam que a quantidade de sémen é limitada e que morrerão quando esgotarem as suas reservas. A quantidade do precioso fluido de que um homem etoro poderá dispor ao longo da vida é adquirida durante a adolescência. Como? Através da prática de sexo oral aos homens maduros da tribo. Por isso, um jovem não pode ter um aspecto demasiado saudável: considera-se que abusou do sexo oral e que ingeriu demasiado sémen. Nesse caso, é obrigado a manter relações sexuais com mulheres para recuperar o equilíbrio.
No mundo ocidental, semelhante teoria seria liminarmente descartada; ninguém acredita que se tenha de limitar o número de coitos para racionar o sémen. O que se verifica na nossa sociedade é a castidade voluntária: um número considerável de indivíduos não praticam sexo porque não desejam fazê-lo. A Sociedade Assexual Americana estima que esse grupo integra cerca de três por cento da população mundial, mas talvez a percentagem real seja ainda maior, agora que já não se esconde a opção assexual. No Japão, país que muitos especialistas consideram ser um exportador de tendências, cada vez se mantêm menos relações. Uma sondagem da Associação Japonesa de Planeamento Familiar efectuada junto de pessoas entre os 16 e os 49 anos mostrou que 31% não tiveram contactos sexuais no último mês, "sem qualquer razão especial".
A variedade de comportamentos que emerge destes exemplos dá uma ideia da diversidade sexual humana. Os antropólogos assinalam que a nossa conduta erótica poderá ser mais heterogénea do que a forma de vestir, os hábitos alimentares ou as normas éticas. A cantora e actriz norte-americana Bette Midler perguntava há tempos: "Se o sexo é um fenómeno tão natural, por que existem tantos livros sobre como fazê-lo?" A verdade é que os cientistas continuam a interrogar-se por que motivo reagimos de forma tão variada a algo que é, na sua essência, uma imposição biológica.
A motivação sexual é o mecanismo que favoreceu a selecção natural para aumentar a probabilidade de sobrevivência da espécie. Quando duas pessoas se sentem atraídas, não costumam parar para pensar que estão a ser guiadas pelos seus genes, mas o prazer que as move é um mecanismo mental, dirigido pela pulsão biológica, que é fruto da adaptação. Talvez essa inconsciência que a natureza estabelece seja a causa para se ter demorado tanto a começar a estudar as estratégias sexuais humanas.
Um dos primeiros especialistas a tentar quebrar o tabu foi Alfred Kinsey, professor catedrático de biologia e zoologia da Universidade do Indiana: surpreendido por haver tantas referências à sexualidade animal e tão poucas à nossa, decidiu efectuar um macro-inquérito. Foi alvo de acesas críticas por parte de sectores médicos e grupos religiosos, que chegaram a ameaçar incendiar-lhe a casa, mas não conseguiram intimidá-lo. O célebre Relatório Kinsey, publicado em 1948 (homens) e 1953 (mulheres), reunia dados sobre a vida erótica de 11.240 pessoas e os resultados deixaram a sociedade norte-americana atónita, pois mostravam um panorama inesperadamente heterogéneo que não correspondia ao que era considerado "normal". Por exemplo, 37% dos homens tinham tido uma experiência homossexual, 62% das mulheres tinham-se masturbado e quase metade tinham tido relações antes do casamento.
Todavia, o que mais chamava a atenção era a grande diversidade na actividade sexual quotidiana. Surgiam homens e mulheres que afirmavam nunca ter tido um orgasmo, e outros que usufruíam de quatro ou mais por dia. Os dados também mencionavam pessoas absolutamente monógamas que há décadas mantinham relações com a mesma pessoa (a única parceira sexual da sua vida) e outras que não conseguiam manter-se fiéis mais de um ano. Isto para não falar das singularidades e dos comportamentos excêntricos: daqueles cuja maior fonte de excitação eram os dentes, os sapatos de salto alto ou as reuniões de trabalho.
O que tornava o estudo revolucionário era a sua metodologia. Kinsey adoptou uma abordagem relativamente ao sexo inédita na altura: o chamado "ponto de vista etic". Os antropólogos designam assim os estudos que procuram investigar o funcionamento de uma cultura de forma objectiva, baseando-se em números e dados reais, e não no que os indivíduos supõem sobre o que os seus vizinhos fazem ou não. O biólogo sabia que, quando se trabalha com interpretações (com o que os membros de uma cultura pensam que acontece na sociedade em que vivem, o "ponto de vista emic"), é fácil cair num padrão de normalidade fictícia. Kinsey averiguou o que se passava verdadeiramente nos quartos sem deixar que ninguém lhe filtrasse a realidade, e descobriu uma grande variedade de comportamentos eróticos.
A partir do relatório que publicou, a homogeneidade foi cientificamente descartada e os estudos centraram-se em procurar explicar a diversidade. Marvin Harris, professor de antropologia nas universidades de Columbia (Nova Iorque) e da Florida, é um dos principais representantes dessa corrente. O "pai" do materialismo cultural coloca em questão "que existam em absoluto modos de sexualidade humana obrigatórios, para além dos impostos por prescrição cultural". Nada funciona de forma idêntica em todas as culturas. Segundo Harris, as condições materiais constituem o principal factor a condicionar os conceitos sobre sexualidade. A proporção de comportamentos homossexuais, o grau em que se permitem relações consanguíneas ou as leis implícitas e explícitas sobre o adultério podem ser explicadas com base na adaptação ao meio em que cada colectividade vive. E indica um exemplo: quando o investimento na prole se torna muito dispendioso, a sociedade torna-se mais puritana, pois é mau negócio andar a criar e educar filhos alheios. Em contrapartida, nas populações onde esse custo é menor, os costumes tornam-se mais permissivos relativamente ao adultério e à promiscuidade.
O antropólogo francês Pascal Dibie, professor da Universidade de Paris VII, oferece outro exemplo de como a socieade nos molda em função das necessidades materiais. Em Etnologia do Quarto de Cama, fala do ghotul, uma escola erótica frequentada de noite pelos adolescentes da etnia muria, na Índia. As regras deste local de iniciação sexual foram alteradas: antes, os que ali se dirigiam ficavam com o mesmo par dia após dia para aprender as artes do amor. Todavia, no ghotul moderno, as relações duradouras são proibidas: permanecer mais de três dias com o mesmo companheiro ou companheira acarreta sanções.
O motivo, segundo Dibie, é a necessidade de preservar a ordem social numa cultura cada vez mais permeada por valores e formas de vida alheias. Até agora, os jovens não questionavam os casamentos arranjados tradicionais dos murias. Agora, no entanto, reivindicam o amor e as uniões espontâneas ou por paixão. Como esse tipo de relações quebraria alianças antigas, criaria tensões desnecessárias e complicaria o pagamento de certas dívidas, os adultos procuram proibi-las. Para dissuadir os adolescentes e atenuar a sua curiosidade sexual, permitem que se deitem com todos os membros do ghotul. Argumentam que se reduz, deste modo, o risco de adultério e os ciúmes nos futuros casamentos. Mais uma vez, vemos uma explicação emic (a suposta vantagem para a harmonia do casal) a servir para disfarçar causas etic (a preservação das convenções sociais e económicas). A necessidade adaptativa promove uma promiscuidade que seria sancionada noutro contexto.
Os casos já referidos recordam-nos o valor evolutivo da heterogeneidade, algo que não suscita, sobretudo desde a revolução darwiniana, qualquer dúvida aos cientistas. A variabilidade é a matéria-prima da evolução, pois o que funciona num ambiente pode ser um desastre noutro. Assim, para que a selecção natural possa agir sobre uma característica, tem de haver diferentes versões do gene (ou genes) que o controlam. Ronald Fisher, um dos fundadores da genética de populações, demonstrou matematicamente que quanto mais alelos (variantes) existirem de um gene, maior será a probabilidade de um se conseguir impor aos restantes. Isso implica que uma maior variabilidade genética se traduz num maior ritmo de evolução de uma população.
A sexualidade constitui a base de propagação e sobrevivência dos genes. Quanto maiores as diferenças entre nós, maiores probabilidades teremos de subsistir em qualquer tipo de circunstâncias. Marilyn Monroe afirmou: "O sexo faz parte da Natureza, e eu dou-me maravilhosamente com a Natureza." A ciência actual recorda que darmo-nos bem com o biológico implica entender e respeitar a diversidade. Castos ou promíscuos; pessoas que associam o sexo ao amor e outras a quem os sentimentos diminuem a líbido; heterossexuais, homossexuais, bissexuais e "quadsexuais" (uma nova categoria lançada por Angelina Jolie que engloba os que gostam de homens, mulheres, homossexuais e transsexuais)... Todos contam.
Ainda persistem curiosos comportamentos sexuais noutras culturas, surpreendentes ou mesmo questionáveis, de acordo com a nossa perspectiva.
A iniciação sexual em muitas tribos africanas é muito precoce. Os chewas (ou chicheuas, da Zâmbia e do Malawi) acreditam que se deve manter uma intensa actividade erótica durante a infância para se ser fecundo na idade adulta. Todavia, o elevado risco de contágio da sida fez subir a idade de iniciação.
Na tribo dos nandi, no Quénia, as meninas de oito anos são consideradas maduras para terem relações e tornam-se propriedade de todos.
Os turus da Tanzânia aceitam que as esposas tenham amantes desde que mantenham as aparências. Os vizinhos colaboram e não as denunciam.
Os adolescentes das ilhas Trobriand, na Papuásia/Nova Guiné, dispõem de uma casa de solteiros onde mudam de parceira todas as noites.
Algumas mulheres do Iémen pintam a pele de negro com pigmentos naturais antes de se deitarem com um homem, pois pensam que essa cor aumenta a potência sexual masculina.
No ritual matrimonial dos arandas, na Austrália central, a noiva deve passar uma noite com os pais do noivo antes de ir para a cama com ele.
Em Samoa, ver um umbigo é muito excitante; na ilha de Celebes, o mais apetecível é mostrar o joelho, enquanto para os hotentotes, etnia do Sudoeste africano, picante é observar os genitais dos animais.
Entre os sakalaves de Madagáscar, o estranho é ser exclusivamente heterossexual, pelo que praticam uma espécie de pansexualidade.
Entre vários povos da Nova Guiné, os adolescentes preparam-se mantendo relações homossexuais, mas, depois do casamento, tornam-se heterossexuais.
Normal vs. perverso
Ao longo da História, as instituições religiosas e jurídicas tentaram controlar o comportamento erótico dos cidadãos, apesar das diferenças naturais que existiam em matéria de gostos e tendências sexuais. Para atingir os seus objectivos, classificavam como perversão tudo o que se afastava da alegada normalidade.
O tabu era criado com base em critérios religiosos (pecado) ou jurídicos (delito); começaram também a ser esgrimidos, desde o século XIX, motivos de saúde para anatemizar os instintos desregrados.
Por exemplo, o médico britânico William Acton tornou público, em 1857, um estudo em que afirmava que algumas mulheres tinham orgasmos durante o coito, concluindo que esse efeito era um distúrbio produzido pela sobre-estimulação. Um século depois, William Masters e Virginia Johnson trocaram-lhe as voltas e afirmaram que o anómalo era a anorgasmia.
Até 1973, a homossexualidade foi considerada uma doença mental e constituía um delito em muitos países. Ainda hoje é considerada crime em cerca de 70 estados. Em Portugal, só foi despenalizada em 1982.
L.O. super interessante 148